Via verde do ensino e a transição garantida

Focando apenas nas aprendizagens, retirando da equação a assiduidade e o comportamento, temos, hoje, em Portugal, alunos a transitar ou a serem aprovados com 5, 6, 7 negativas.

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A escola, independentemente de qualquer modernismo temporário, deveria ser o primeiro local formal onde se valorize o mérito Nuno Ferreira Santos

Parece-me que começa a ser óbvio para todos que o que se assiste diariamente no ensino, sobretudo nesta altura de final de ano letivo onde se avaliam os alunos e se decide se transitam ou são retidos ou ainda se estão aprovados ou não para o ciclo seguinte, é uma verdadeira farsa.

Não são poucos os testemunhos que se vão lendo pelas redes sociais de professores que se queixam de terem de alterar ou de verem diretores alterar as notas dadas. A constatação desta realidade torna todo o sistema de ensino numa verdadeira farsa, onde em nome da inclusão e da flexibilidade se deve transitar todos, esforcem-se ou não, saibam ou não, tenham estado presentes, ou não, nas aulas.

Com a legislação em vigor a retenção só pode acontecer, excecionalmente, e ainda assim o professor deve fundamentar muito bem, quase que pedindo desculpa à comunidade por estar a reter um aluno. Em contrapartida, para transitar ou ser aprovado basta que o conselho decida que assim deve ser. Portanto, para transitar/aprovar, um aluno, que pouco ou nada aprendeu, que muitas vezes nem o quis ser, o professor não carece de justificação, mas para o reter, mesmo com resultados negativos, sim!

Parece-me que estamos perante a total inversão daquilo que deveria ser o ensino. Mesmo que faça um esforço para perceber o porquê desta lei, não consigo alcançar. Assumindo que poderá ser uma lacuna pessoal.

Mas, afinal, que sinal estamos a dar aos alunos? Será que o mérito, o esforço e empenho pessoal, familiar e comunitário tem de ficar constantemente à porta da escola?

Focando apenas nas aprendizagens, retirando da equação a assiduidade e o comportamento, temos, hoje, em Portugal alunos a transitar ou a serem aprovados com 5, 6, 7 negativas. Isto quererá dizer que o aluno pura e simplesmente não adquiriu o mínimo indispensável para transitar, independentemente das razões, mas ainda assim, a exemplo daqueles que não tiveram nenhuma negativa, irá transitar. Será justo?

Claro que deve estar a pensar que venho do tempo da outra senhora e que hoje em dia a flexibilidade e a inclusão, palavras na moda com conceitos questionáveis e exequibilidade de aplicação duvidosa, devem prevalecer, mas confesso que não só não concordo como considero de extrema injustiça para quem, independentemente de tudo, se esforça, empenha, é respeitador e sobretudo aprende.

O professor não tem de justificar uma evidência. As evidências não são os números que se coloca no Excel ou os relatórios que se escreve no Word. As evidências empíricas são aquelas que só os professores, e os pais se acompanharem os seus filhos, conhecem. Não são transportáveis para qualquer grelha de Excel feita por coleguinhas, sempre muito animadas, mas talvez com vida pessoal a menos. A evidência está patente nas salas de aula onde o professor deveria ser soberano e conhecedor do indivíduo (aluno), das nuances e dinâmicas que são por ele mensuráveis.

Ou acreditam na capacidade do especialista de avaliar e concluir o processo ou então não estão lá a fazer nada. Se retirarmos a importância que tem a aquisição de conhecimento da função primordial da escola, estamos no caminho errado. Que sentido fará uma escola que não exige esforço? Que sentido fará uma escola que não quer saber se os alunos aprenderam ou não?

Na escola atual o que tem o aluno a provar? Qual a responsabilidade dos pais ou encarregados de educação no processo de ensino-aprendizagem?

A escola, independentemente de qualquer modernismo temporário, deveria ser o primeiro local formal onde se valorize o mérito, o empenho, o esforço a dedicação e superação, que levam necessariamente à aquisição de conhecimento, e não um local de laxismo onde o mérito raramente entra e onde, sabendo ou não sabendo, lá vão transitando e sendo aprovados para os ciclos subsequentes.

Nem a transição nem a retenção deviam ser de carácter extraordinário inscrita na lei, pelo facto desta última o ter é o princípio de uma grande farsa que assombra o ensino.

Esta inscrição na atual lei é um caminho perverso para facilitar a vida aos do costume, dificultar a vida aos professores mostrando que não confiam na sua competência e que só assim evitam retenções por castigo. É a única razão que vejo!

A retenção não deve ser vista como um castigo, deve ser vista como uma consequência direta do grau do meu empenho e consequentemente da aquisição ou não das aprendizagens.

Claro que podemos pensar porque é que haverá tantos alunos em situação de retenção, quais as causas a montante, contextos sociais e familiares, e quais as dificuldades a jusante, falta de recursos na escola. Mas isso não pode justificar tudo!

Não conheço professor nenhum, aceitando que possa haver, que retenha alunos por gosto, fá-lo-á seguramente na esperança de que o aluno possa ter mais uma oportunidade para adquirir o conhecimento e as competências que não adquiriu na primeira vez. Reter um aluno é querer o bem dele, passar um aluno é querer o bem de qualquer coisa, mas não do próprio aluno.

O aluno que fica retido deverá interpretar a mensagem como um “não desistas!”. Não desistas de melhorar, tens uma nova oportunidade de aprender; se cada dia for melhor que o anterior, é um passo na direção certa; o sucesso é diretamente proporcional ao teu empenho e depende também de ti.

Os professores não têm no lugar do coração um cubo de gelo e não andam de chicote na mão. De certeza que estão atentos aos progressos, à mudança, ao empenho, à dedicação, e quando retêm um aluno fazem-no conscientes da sua decisão.

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