Os direitos dos trabalhadores e as políticas da UE

Num momento em que os avanços tecnológicos e científicos assumem uma dimensão extraordinária, é inconcebível que não sejam postos ao serviço de melhores condições de trabalho e de vida dos trabalhadores.

Como factor estruturante na sociedade, é inegável que o trabalho deveria ser fonte e razão da satisfação das necessidades materiais humanas. Contudo, a crescente acumulação de capital, que assenta na apropriação da riqueza produzida pelos trabalhadores, traz consigo a intensificação da exploração, a desregulação das relações laborais, com o aumento da precariedade, os baixos salários e o ataque aos direitos laborais e sociais que foram conquistados pela luta dos trabalhadores.

Neoliberalismo e direitos laborais e sociais são, por natureza, inconciliáveis. Na União Europeia (UE), as questões laborais e sociais são, e bem, da competência dos Estados-Membros (EM). No entanto, elas são condicionadas pelas políticas macroeconómicas emanadas do directório de Bruxelas, tanto mais quanto maior a submissão de governos a essas imposições.

A liberalização do Mercado Único – incluindo a promoção do desinvestimento, liberalização e privatização dos serviços públicos –, as Políticas Comuns, incluindo, no comércio internacional, a União Económica e Monetária, o Euro e os seus instrumentos de tutela económica e orçamental, como o Pacto de Estabilidade e o Semestre Europeu, são limitadores e condicionantes da acção de Estados, como Portugal, que convergem com as políticas e orientações da UE de contenção, senão mesmo desvalorização, salarial e de desregulação das relações de trabalho, promovendo o retrocesso nos direitos laborais.

Só entre 2011 e 2019, no âmbito do Semestre Europeu e das recomendações específicas por país, foram feitas pelo menos 38 recomendações a vários EM focadas em questões como a limitação do crescimento da massa salarial; o aumento da idade da reforma; redução da despesa nos sistemas públicos de saúde; a promoção do aumento do horário de trabalho; a redução da segurança laboral; e cortes no financiamento nas funções sociais dos Estados – recomendações que são contrárias à necessária e urgente resposta aos problemas dos trabalhadores e dos povos, mas que vão, obviamente, ao encontro dos interesses do capital.

Não admira, pois, que o Plano de Acção do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, anunciado na chamada Cimeira Social, realizada no Porto com pompa e circunstância, tenha sido um momento propagandístico que, ao invés de contribuir para a elevação das condições de vida dos trabalhadores e dos povos, pretende nivelar por baixo, impondo retrocesso nos seus direitos laborais e sociais.

É assim, também, com a Directiva sobre Salários Mínimos Adequados na UE. Sendo o estabelecimento dos salários uma competência nacional, vieram recorrentemente orientações da UE contrárias não só ao aumento do salário mínimo nacional, como até no sentido da sua desvalorização e redução. Para além de não ter em conta a realidade social em cada país, a aplicação dos critérios da fixação do salário mínimo sugeridos na proposta da Comissão Europeia conduziria a uma pressão para conter não só o aumento do salário mínimo como de todos os salários.

A pretexto de transições várias (verde, energética ou digital), também se anunciam impactos no contexto laboral. A Comissão Europeia já anunciou a (des)regulação dos trabalhadores das plataformas digitais, que seriam colocados numa situação híbrida, entre trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria, como se a prestação do trabalho mediada por uma plataforma digital tornasse a natureza do trabalho diferente. Inventar uma nova relação laboral só favorece os interesses das multinacionais das plataformas (a braços com sentenças de vários tribunais nacionais que impõem o reconhecimento a estes trabalhadores dos direitos previstos para os demais) e ataca os direitos laborais, desprotegendo os trabalhadores, legitimando-se mais uma forma de precariedade laboral.

Da mesma forma, o teletrabalho, que com a situação pandémica comprovou ser instrumento para o aumento da exploração, tende agora a ser normalizado, procurando individualizar as relações de trabalho e isolar o trabalhador. Traz a reboque o chamado “direito a desligar”, que, em boa verdade, já existe quando os limites do horário de trabalho são respeitados. A sua regulamentação, para além de perversamente procurar legitimar a disponibilidade permanente, visa interferir na duração e organização do trabalho, nos ritmos, horários e vida dos trabalhadores, perturbando e limitando a conciliação entre a dimensão pessoal, familiar e profissional.

Num momento em que os avanços tecnológicos e científicos assumem uma dimensão extraordinária, é inconcebível que não sejam postos ao serviço de melhores condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, desde logo com a redução do horário de trabalho sem perda de rendimento ou com a diminuição da idade da reforma. A tentativa de os trabalhadores trabalharem mais horas e mais anos de vida para alimentar os lucros de uns poucos não pode deixar de ser considerada um inaceitável retrocesso civilizacional que, confiamos, será travado com a luta dos trabalhadores.

Duas semanas passadas sobre a morte de vários trabalhadores portugueses, vítimas de um acidente de trabalho em Antuérpia, Bélgica, é evidente que a luta por melhores condições laborais, por mais direitos e por mais fiscalização das condições de trabalho é para continuar e reforçar. Os trabalhadores e as suas organizações representativas terão, como sempre tiveram, um papel fundamental na luta pela elevação dessas condições – contando, como sempre, com o PCP!

Sugerir correcção
Ler 7 comentários