Direita critica “encobrimento” do atropelamento com carro de Eduardo Cabrita

Correio da Manhã avançou que GNR foi impedida de fazer perícias ao BMW de Eduardo Cabrita – informação negada pela Guarda. “Se isto se confirmar, é gravíssimo”, reagiu Rui Rio.

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O estado do carro oficial de Eduardo Cabrita após o acidente LUSA/PAULO CUNHA

O líder do PSD, Rui Rio, criticou nesta quinta-feira uma suposta “ordem superior” dada para não se fazerem perícias ao automóvel oficial onde seguia o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que atropelou mortalmente um trabalhador da limpeza na A6. 

“Se isto se confirmar, é gravíssimo. Prova, na prática, que o carro vinha em excesso de velocidade. E prova, também, que o primeiro-ministro é o verdadeiro responsável político, por insistir em manter contra tudo e contra todos – o ministro da Administração Interna em funções”, diz Rui Rio no Twitter.

O social-democrata cita uma notícia desta quinta-feira do Correio da Manhã, segundo a qual a equipa da GNR que está a investigar o atropelamento mortal que envolveu o carro oficial do ministro foi impedida de fazer perícias ao BMW, incluindo aceder ao computador interno do carro (a centralina) para saber a que velocidade este seguia.

Em comunicado divulgado pelas 15h27, o comando geral da GNR disse que nunca existiu qualquer “ordem superior” para impedir ou condicionar quaisquer diligências relacionadas com a investigação do acidente, desmentindo a notícia do Correio da Manhã. A Guarda garante que as diligências previstas na lei estão a ser cumpridas como em qualquer outro caso de atropelamento fatal.

Segundo o diário, que cita fontes próximas da investigação, não identificadas, os elementos do Núcleo de Investigação Criminal a Acidentes de Viação (NICAV) da GNR de Évora só tiraram fotografias ao carro, que foi rebocado pela própria Guarda Nacional Republicana. Ainda de acordo com o Correio da Manhã, os elementos do NICAV quiseram fazer novas diligências ao carro, mas foram impedidos “por ordem superior”. De quem? As fontes do Correio da Manhã não identificam.

O carro em que seguia Eduardo Cabrita “está à guarda da GNR”, disse nesta quinta-feira ao PÚBLICO o tenente-coronel João Fonseca, porta-voz nacional da Guarda Nacional Republicana (GNR). “A GNR desenvolveu e encontra-se a desenvolver, nos termos da lei, todas as diligências inerentes a um processo de investigação de um acidente de viação com vítimas mortais”, acrescentou este oficial quando questionado sobre a realização da perícia ao automóvel – se já foi realizada ou se será em breve.

Contradições

O acidente aconteceu no dia 18 de Junho no regresso de uma deslocação oficial do ministro Eduardo Cabrita a Portalegre. Segundo o Ministério da Administração Interna, o trabalhador atropelado estava a atravessar a faixa de rodagem e não houve qualquer despiste. “Não havia qualquer sinalização que alertasse os condutores para a existência de trabalhos de limpeza em curso”, lê-se em comunicado divulgado no dia seguinte.

Responsáveis da Brisa desmentiram parte do comunicado do MAI, afirmando que as obras na auto-estrada estavam devidamente sinalizadas e que os trabalhos se realizavam na berma da estrada. Ao PÚBLICO, fonte do MAI recusou comentar as versões contraditórias, afirmando que nada mais havia a acrescentar ao comunicado e lembrando que decorria ainda o inquérito aberto pelo Ministério Público.

O Código da Estrada permite que os condutores de veículos que transitem em missão de polícia, de prestação de socorro, de segurança prisional ou de serviço urgente de interesse público, assinalando adequadamente a sua marcha, possam, “quando a sua missão o exigir, deixar de observar” os sinais e as regras de trânsito, entre as quais o limite de velocidade.

Direita em bloco nas críticas

Com as críticas de Rui Rio, o PSD juntou-se a outros partidos de direita no pedido de mais esclarecimentos e nas críticas ao que dizem ser o silêncio de Eduardo Cabrita sobre o caso.

A Iniciativa Liberal (IL) critica, em comunicado divulgado nesta quinta-feira, “o comportamento que Eduardo Cabrita tem adoptado nesta matéria”, que revela, “uma vez mais”, que “não tem a idoneidade institucional exigível para o exercício do cargo”.

“Foi noticiado que a GNR está impedida por ordem superior de fazer perícias ao automóvel envolvido no acidente. É de gravidade extrema o uso de forças de segurança do Estado para fazerem encobrimento político em detrimento de cumprirem a sua missão”, critica o partido liderado por João Cotrim Figueiredo.

“É inadmissível que, num assunto desta gravidade, o ministro da Administração Interna, a quem cabe precisamente assegurar a segurança rodoviária, actue sem qualquer transparência, tendo inclusivamente a sua versão dos acontecimentos sido desmentida pela empresa concessionária e sucedendo-se as notícias que apontam para um inaceitável encobrimento dos factos que levaram ao atropelamento mortal”, diz.

“O conhecimento das circunstâncias em que este acidente trágico ocorreu é fundamental para apurar o tipo de protecção que a família pode reclamar. Todavia, o Ministério da Administração Interna recusou-se, até à data, a prestar os esclarecimentos devidos, remetendo a família para um longo calvário de apuramento de factos, burocracias e procedimentos”, acrescenta. O IL interpela Eduardo Cabrita e o Ministério da Administração Interna “no sentido de permitir todas as perícias necessárias e o esclarecimento de todos os factos relevantes”.

O CDS optou por enviar cinco perguntas ao Ministério da Administração Interna, através do Parlamento, em vez de chamar o ministro à Assembleia. Depois de terem exigido saber a que velocidade circulava o veículo, os deputados centristas insistiram: “Mantém V. Ex.ª que as obras existentes no local do acidente não estavam assinaladas? A viatura seguia dentro do limite de velocidade aplicável àquele troço da A6? A viatura interveniente no acidente é propriedade do Ministério da Administração Interna? Na positiva, foi contactado algum responsável do Ministério da Administração Interna, nomeadamente V. Ex.ª, para algum termo do processo de inquérito? Foi aberto processo de inquérito interno às circunstâncias do acidente, a fim de determinar a existência de prejuízos e os titulares do direito a indemnização? Já alguém contactou a viúva e as filhas da vítima, a fim de perceber quais as suas necessidades imediatas e encaminhá-las para os serviços adequados do Estado, enquanto não houver resultados do inquérito interno?”

O deputado do Chega também enviou perguntas ao ministro. “Confirma-se que o veículo oficial seguia a uma velocidade superior a 200km/h? Estava ou não sinalizado o espaço em obras no local do acidente? O veículo seguia em marcha de urgência ou marcha normal no regresso da deslocação do senhor ministro a Portalegre?”, escreveu André Ventura, num texto em que afirma estar “a passar para a sociedade portuguesa uma terrível imagem de impunidade por parte dos governantes e agentes do Estado”.

O ministro tem 30 dias para responder às questões.

Questionados pelo PÚBLICO, o PCP recusou pronunciar-se sobre o caso e o PEV disse que também não falará sobre o assunto “até que sejam averiguadas as circunstâncias do acidente”. “A GNR deve proceder dentro do quadro legal que lhe compete de modo a não comprometer a investigação e o apuramento dos factos”, acrescentaram os ecologistas.

Marcelo: “essencial” haver investigação

Na quarta-feira, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com Cabrita ao seu lado, no final de uma visita à Unidade Especial de Polícia (UEP), em Belas (Sintra), defendeu ser “essencial” que se investigue a “matéria de facto” sobre o acidente. O ministro não fez comentários.

Questionado pelo PÚBLICO sobre se a demora em haver explicações públicas sobre o acidente não se estava a tornar um “berbicacho” político para o ministro — o termo já chegou a ser usado por Marcelo a propósito das eleições de 2023 — e se, por envolver um governante, não exigia mais celeridade, o Presidente da República realçou que o essencial é haver matéria de facto e que há “várias instâncias que se encarregam de investigar a matéria de facto para diversos efeitos”.

“As autoridades investigam quem quer que seja que vá dentro do veículo automóvel, quem quer que seja o cidadão que seja atingido. Portanto, essa investigação e esse apuramento de facto devem decorrer e, a meu ver, não devem depender de saber se ia A ou B ou C a conduzir, ao lado do condutor ou atrás do condutor. O que for apurado é apurado”, acrescentou.

Foi a primeira vez, em 12 dias, que o Presidente da República se referiu ao acidente. O ministro também teve oportunidade de o fazer, mas rejeitou-a. “Não é este o momento adequado”, respondeu aos jornalistas que o questionaram, em Sintra. Nessa mesma manhã, o PÚBLICO enviou três perguntas ao gabinete do ministro que ficaram sem resposta.

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