Restos mortais de 751 pessoas descobertos numa antiga escola indígena no Canadá

A investigação começou depois da descoberta de uma vala comum na Colúmbia Britânica há três semanas. Para já, falta saber se os restos mortais encontrados no local onde existiu um cemitério pertencem a crianças.

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Foram encontradas centenas de restos mortais num terreno perto da antiga escola indígena de Marieval, na província de Saskatchewan FSIN/Reuters

Um grupo indígena canadiano confirmou a “descoberta chocante e horrível” de 751 restos mortais em valas comuns encontradas na antiga escola indígena de Marieval, na província canadiana de Saskatchewan. A descoberta surge semanas depois de terem sido encontrados os restos mortais de 215 crianças indígenas noutra escola residencial de Kamloops, na província da Colúmbia Britânica.

O anúncio foi feito por Cadmus Delorme, chefe da Primeira Nação de Cowessess, na quinta-feira, garantindo que é o número “substancialmente mais significativo no Canadá até à data”. Não é ainda claro se todos os restos mortais pertencem a crianças. No entanto, “há histórias orais que dizem que adultos foram enterrados no cemitério”, acrescentou.

Uma investigação sobre o sistema residencial descobriu a existência de um cemitério perto da escola em Marieval, que foi demolida depois de encerrada. Mas as lápides foram removidas pela Igreja Católica, disse Delorme. O líder indígena adiantou que "remover as lápides constitui um crime neste país: estamos a tratar do local como uma cena de crime”.

A investigação em Cowessess começou há três semanas, pouco depois da descoberta de restos mortais na escola de Kamloops, na província de Colúmbia Britânica, motivando os líderes indígenas a apelar a uma investigação nacional para identificar valas comuns não registadas.

Ambas as escolas pertenciam ao sistema destinado à “integração” de crianças indígenas, separando-as à força das suas famílias para assimilar a cultura europeia. Muitas nunca voltaram e as famílias nunca obtiveram uma explicação. As conclusões da comissão que investigou o sistema consideraram a prática um “genocídio cultural”.

Segundo apurou a comissão, muitos dos 150 mil estudantes foram submetidos a abusos físicos e sexuais, desnutrição e outras atrocidades. Cerca de 4100 crianças desapareceram, mas um antigo juiz indígena, que liderou o painel da comissão, acredita que o valor “ultrapassa em muito os dez mil”, escreve o New York Times.

O sistema foi fundado e gerido pela Igreja Católica entre 1831 e 1996. A escola de Marieval foi fundada em 1899 e a sua administração foi transferida para o Governo canadiano em 1969. Em 1987 ficou sob a responsabilidade da Primeira Nação Cowessess, até ser encerrada em 1997.

Os líderes indígenas locais estão a contactar os sobreviventes e as famílias, informou a Federação das Nações Indígenas Soberanas. “A dor é real e não nos deixou. Enquanto recuperamos, cada cidadão de Cowessess tem um membro familiar numa vala comum. Saber que continuam por identificar não atenua a dor” disse Delorme ao jornal canadiano Leader-Post no mês passado.

Com a descoberta, a comunidade indígena espera motivar o debate nacional sobre o tratamento das comunidades indígenas no Canadá e exige o apuramento de responsabilidades, particularmente das entidades católicas que geriram a maioria das escolas. Também têm surgido apelos para serem removidos os monumentos em homenagem aos responsáveis pelo sistema.

Heather Bear, vice-directora da Federação das Nações Indígenas Soberanas, admite que mais valas comuns sejam reveladas, enquanto as buscas continuam em Saskatchewan, onde operavam mais de vinte escolas residenciais.

Tanto as autoridades regionais como nacionais têm feito esforços nesse sentido. Ainda esta quinta-feira, o Governo anunciou o financiamento de 4,9 milhões de dólares canadianos (mais de três milhões de euros) para as comunidades indígenas em Saskatchewan continuarem as investigações.

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