Vale a pena confiar?

O governo tem legitimidade para lançar a máquina disciplinar do Estado sobre um cidadão no exercício dos seus deveres de cidadania, que além do mais age em defesa do interesse público?

Quando souberam que a EDP ia vender à Engie as 6 barragens da bacia do Douro, as gentes da Terra de Miranda constituíram um Movimento Cultural, com o propósito de conseguir que os impostos locais cobrados com a venda fossem aplicados no desenvolvimento da sua Terra.

O que é de inteira justiça! Até porque, do ponto de vista da criação de riqueza, a Terra de Miranda é das regiões que possui maior riqueza por habitante; já do ponto de vista da distribuição do rendimento está entre as mais pobres. Nesse sentido, o Movimento contactou os partidos na Assembleia da República, falou com o ministro do Ambiente e da Ação Climática e foi recebido por Sua Excelência a senhora vice-presidente da Assembleia da República.

Na Assembleia da República conseguimos gerar uma maioria política que aprovou na Lei do Orçamento a constituição de um Fundo para gerir as receitas obtidas com a venda das barragens. A receita mais significativa é a do imposto do selo no montante de 110 milhões de euros. Ao ministro do Ambiente e da Ação Climática, a quem coube autorizar a venda, pedimos que não a autorizasse sem o pagamento dos impostos devidos. A seu pedido, entregámos uma nota técnico-jurídica a alertar para possíveis formas de planeamento fiscal agressivo.

Como é sabido, o ministro do Ambiente e da Ação Climática permitiu a venda sem garantir a cobrança dos impostos devidos. Com a sua ação frustrou as legítimas expetativas das gentes da Terra de Miranda e de todos os contribuintes portugueses que pagam os impostos exigidos por um Estado voraz e insaciável.

A Sua Excelência o Senhor Presidente da República, que nos recebeu amavelmente no dia 28 de setembro de 2020, dissemos que seria de inteira justiça que os impostos municipais cobrados com a venda das barragens fossem aplicados no desenvolvimento da nossa Terra. A seu pedido, enviámos uma nota jurídica que alertava para a forte possibilidade do negócio da venda das barragens se efetuar com recurso a mecanismos de planeamento fiscal agressivo para evitar o pagamento de impostos.

O Sr. Presidente da República enviou essa nota técnico-jurídica ao gabinete do sr. primeiro-ministro, que a reencaminhou para o Gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que por sua vez a reenviou à diretora-geral da Autoridade Tributária. Sobre a nota jurídica, entregue na Presidência da República, a diretora-geral da AT exarou despacho mandando instaurar inquérito disciplinar a um dos cidadãos que é membro deste Movimento, o Dr. José Maria Pires, que é também funcionário da AT.

Por mais estranho que pareça, as entidades que entre nós têm de garantir a cobrança dos impostos, em vez de inspecionarem o negócio que permitiu uma borla fiscal de milhões de euros à EDP, optaram por perseguir o funcionário que se revelou incómodo, por integrar um Movimento que pede que se cobrem os impostos devidos.

O facto de o despacho que instaurou o inquérito disciplinar ter sido exarado sobre a nota técnico-jurídica entregue, pelo Movimento Cultural da Terra de Miranda, a Sua Excelência o Presidente da República deixa-nos perplexos e apreensivos.
Perante esse desmando, perguntamos:
- Os cidadãos podem confiar nas instituições que os representam?
- Os cidadãos que no futuro recorrerem a Sua Excelência o Presidente da República para os ajudar a concretizar uma causa justa, têm que contar que esse gesto os possa penalizar na vida pessoal?
- O governo tem legitimidade para lançar a máquina disciplinar do Estado sobre um cidadão no exercício dos seus deveres de cidadania, que além do mais age em defesa do interesse público?
- O que distingue esta prepotência do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, dos regimes ditatoriais, quando está em causa a penalização do exercício dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos?

Sr. Presidente, não é admissível que o Governo pense que pode fazer tudo!
Sr. Presidente, não é aceitável que o Governo se comporte como o dono disto tudo!
Sr. Presidente, olhamos para si como o último baluarte. Queremos continuar a confiar em si!

Movimento Cultural da Terra de Miranda

Texto escrito segundo o novo acordo ortográfico

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