Fugir com o rabo à seringa

Sabemos que a Saúde tem especificidades que não podem ser ignoradas. Procurar reger a oferta/procura pela simples aplicação das leis de mercado é meio caminho andado para o desastre.

Desculpem o plebeísmo do título mas, nesta questão de termos médicos a mais ou a menos e da necessidade de aumentar, ou não, o número de vagas nas faculdades de medicina, é disso mesmo que se trata. Para evitar as dores de discutir o problema em profundidade, os intervenientes optam pelas meias-verdades, mesmo correndo riscos de entrar em contradição.

Que dizem os números:

Temos um número de médicos por 100 mil habitantes superior à média dos países da OCDE. Apesar disso, há um milhão de cidadãos sem médico de família e tempos de espera inaceitáveis no SNS para cirurgias e primeiras consultas hospitalares, realidades não atribuíveis à pandemia infeciosa. Face ao enorme desacerto entre os dois termos da equação, há que encarar o problema e procurar soluções.

Temos um número de faculdades de medicina (FM) superior ao ratio internacionalmente estabelecido (uma FM por dois milhões de habitantes). Apesar disso e do número crescente de médicos indiferenciados por incapacidade formativa dos serviços públicos e privados, consentiu-se em abrir mais uma, esta privada e privativa face ao custo: Dezasseis mil duzentos e cinquenta euros, é este o valor anual da propina do novo curso de Medicina privado da Universidade Católica, a que acresce uma taxa anual de inscrição de mil e quinhentos euros. Será esta a solução adequada para resolver a alegada carência de profissionais no País, SNS em particular?

As Organizações Profissionais têm um discurso ambíguo: ou temos médicos a mais, quando se trata de aumentar o número de vagas para formação; ou a menos, quando confrontadas com as gritantes insuficiências assistenciais atrás apontadas.

O Governo procura soluções através da lei do mercado, insistindo em alargar o número de vagas nas FM públicas. Solução a que se opõem os respetivos diretores por considerarem esgotada a capacidade formativa das mesmas e, face ao número crescente de médicos indiferenciados, entenderem não ser prudente aumentar a oferta profissional.

Sabemos que a Saúde tem especificidades que não podem ser ignoradas. Existindo um terceiro pagador com garantia de acesso a cuidados de saúde a todos com a maior equidade possível – o Estado Social –,​ procurar reger a oferta/procura pela simples aplicação das leis de mercado é meio caminho andado para o desastre. Há pois que dialogar no sentido de encontrar soluções dentro do modelo constitucional que temos; perseverar no beco sem saída é abrir portas a modelos sociais regressivos que, de todo, não se desejam.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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