Os caminhos do Douro, o caminho da minha vida

“Durante seis dias deixei para trás o serviço hospitalar de uma linha da frente no combate à covid-19, junto disso mesmo ficou também a universidade, um Serviço Social especializado em saúde, saúde essa, a mental. Na minha cabeça já tinha o destino definido, a mais antiga região demarcada no mundo, o Douro.” Pela leitora Rita Sousa.

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Durante seis dias deixei para trás o serviço hospitalar de uma linha da frente no combate à covid-19, junto disso mesmo ficou também a universidade, um Serviço Social especializado em saúde, saúde essa, a mental.

Na minha cabeça já tinha o destino definido, a mais antiga região demarcada no mundo, o Douro

Procurei por registos, e informação que me fossem facilitar no percurso, mas não encontrei. Parti do Porto em direcção ao Pinhão, com a única certeza de que iria fazer um caminho de 130km a pé, pela primeira vez. 

O relógio batia a nona hora da manhã. Nos pés calçava um par de ténis velhos, às costas carregava uma mochila com o peso médio de 10kg, e na mente nada mais do que memórias, que queria reduzir ao tamanho de grãos de areia.

O primeiro dia teve como destino Melres, confesso que ainda hoje sinto o cheiro da praia fluvial que tinha como vista do meu próprio quarto, e do prego no pão que comi a caminho deste, sem dúvida o melhor da minha vida e que tão bem servido foi pelo Restaurante-Tomaz. 

No dia seguinte escolhi como destino Castelo de Paiva. Enquanto punha um pé à frente do outro para lá chegar, passei pelo Miradouro de Sebolido, que me acompanhou enquanto comi a fruta que ia apanhando das árvores até lá. Fiquei a dormir na Casa Olival da Vinha, onde fui recebida pela Cristina. Hoje, chamo-lhe madrinha, e não foi por acaso que a conheci num Domingo de Ramos. A Cristina levou-me a conhecer o Café Central e a única pizzaria que trabalhava em serviço take-away, falou-me dos paivenses e da ligação deles ao Porto. De manhã, como se não bastasse, ainda me deixou um saco de laranjas à porta do quarto que me foi salvando da sede no resto dos dias que me esperavam. 

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Cinfães do Douro, a terceira noite desta rota, a noite em que senti pela primeira vez o fenómeno do envelhecimento demográfico, a partir daqui tudo se traduz em história, e numa humildade nunca antes vista, própria de quem já viu muito, mas não tudo. Ali, tive como minha casa o Cerrado dos Outeirinhos, e no dia seguinte o pequeno-almoço foi tão bom que em poucas horas pisei o solo de Caldas de Aregos. Sabia que era exactamente ali que tinha que ficar a descansar, e o Hotel Comércio acabou por ter essa culpa no cartório, pois foi um sítio que me fez adormecer virada para terras de vinho verde e de Eça, marcado pela simpatia genuína das pessoas e, especialmente, por ter a força da corrente das águas do Douro a poucos metros de mim. Este descanso é merecido e essencial para a etapa seguinte. 

Não estava minimamente preparada para o que ali vinha. Nem eu nem a dona Maria do “Pão Quente”, que até ter provas suficientes não acreditou que já caminhava há quatro dias desde o Porto. Ficou estupefacta, e não me deixou sair dali enquanto não me viu a comer uma sopa de nabiças, um prato de feijoada à transmontana e uma aletria quente a saber a Natal. Quando me levantei daquele snack-bar maravilhoso, senti-me capaz de enfrentar uma civilização romana tal como Viriato o fez em nome do povo lusitano. Foi exactamente dessa forma que cheguei ao Peso da Régua, e lá fui recebida por Vasco Lopes, um dos proprietários da Quinta da Graça, um autêntico “cientista vínico” e ainda um guia turístico que, embora improvisado, não deixou de ser exímio a fazê-lo. Pelos olhos dele conheci São Leonardo da Galafura, depois disso ainda me levou ao “laboratório” dele, por lá provei o que das mãos do povo nasce.

No dia seguinte acordei e caminhei para o fim, Pinhão, e enquanto o fazia em cima da estrada mais bonita do mundo (EN 222), pensei em todas as pessoas, todos os restaurantes, todas as quintas, todas as comidas e vinho que bebera até então. Pensei também na sorte que tenho de não gostar de turismo empacotado, na sorte que tenho de nunca ter alinhado em pacotes turísticos para ir seja onde for. Ainda assim pensei muito mais no azar das pessoas que o fazem. 

O Douro, os habitantes e os trabalhadores daquele sítio merecem mais, mas muito mais do que um turismo “unicamente” fluvial. Um turismo que não nos apresenta à Cristina, à dona Maria, ao José, ao Vasco e por aí fora. 

Esta foi uma viagem dividida por seis etapas, cada uma delas rondava uma média de 20/25/30km diários. Tendo o custo total de uma quantia praticamente exacta de 350€. Mais exacto que isso só mesmo o facto de ter a certeza que a saúde do corpo passa pela satisfação da alma. Em todos os sentidos. 

Um Douro por todos, e para todos. 

Rita Sousa

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