A insustentável viabilidade da vida das aldeias na floresta

É preciso pensar estrategicamente e a longo prazo, juntar vontades e criar sinergias (coisa difícil no nosso país), e de uma vez por todas investir nas pessoas e nos territórios e sua promoção, garantindo a viabilidade e a sustentabilidade dos investimentos e principalmente das vidas dos que lá estão ou para lá vão temporariamente.

Quatro horas rodeado pelo fogo levaram a quatro anos de esforços resilientes. Viver numa das aldeias afetadas pelos incêndios de 2017 permite chegar a conclusões muito pragmáticas e realistas, para além do rebuliço político, parangonas mediáticas e pensamentos académicos. A conclusão é simples: fazendo o que todos estamos a fazer, deverá haver coragem política para estrategicamente assumir que em algumas centenas de aldeias em Portugal não é viável viver de forma segura e sustentável. E concentrar (todos) os esforços para tornar um conjunto delas realmente viável, aquelas que se tornariam imediatamente objeto de desejo dos habitantes rurais de sempre, de putativos novos rurais, de fugitivos de vidas urbano-depressivas e dos famosos nómadas digitais.

Junho (e depois Outubro) de 2017 trouxe-nos como já foi dito por muitos, um marco nacional traumático para o qual há antes e um depois. Qual derrota histórica contra um inimigo comum que nos baterá à porta sempre que lhe apetecer – os incêndios florestais. Passados quatro anos bastará dar um belo passeio saindo das estradas principais geridas pela agora zelosa IP e teremos frondosas alamedas sombreadas de acácias, eucaliptos e afins, muitas vezes formando refrescantes túneis verdes nas estradas municipais de alguns concelhos do antes denominado Pinhal Interior. Ou seja, a natureza fez eficientemente o seu trabalho e restabeleceu esplendorosa viçosidade de vegetação e floresta espontânea por todo o lado. Incluindo nos locais que afetam a segurança de quem teima em povoar o tão falado Portugal esquecido e despovoado, ou quem agora o visita procurando recato e sair da confusão. Prontinho para arder da mesma forma ou mais forte que em 2017. Até aqui nada de novo e é a natureza a fazer o seu caminho.

O que é incrivelmente óbvio é que se perdeu uma oportunidade de haver um processo de mudança de atitude de todos em fazer as coisas diferentes: dos proprietários perceberem que podem e devem ter floresta mas não de qualquer maneira e lugar, dos gestores políticos locais que devem ser mais exigentes e atuantes na garantia de cumprimento das regras de gestão e ordenamento do território e da floresta intervindo se necessário, dos governantes do país em fazer leis que sejam exequíveis e que para além de definir as obrigações e responsabilidades de cada um dos atores (facilitando a vida aos tribunais em caso de contencioso) possam orientar e enquadrar esses atores no desempenho dos seus papéis.

Como país de brandos costumes que estamos habituados a ser, foi deixada mais uma vez uma enorme margem para a boa vontade e determinação de cada um dos atores nas suas atividades, permitindo que uns façam coisas no sentido certo e que os outros encontrem as mais mirabolantes e rebuscadas formas de nada fazer. Acrescentando um conjunto de investimentos, à revelia de qualquer estratégia (ou mesmo contra ela), que agravam problemas de segurança como investir em passadiços de madeira que atraem centenas de pessoas, concentrando-as em locais de elevada perigosidade sem preocupações visíveis de gestão de fluxos de pessoas e viaturas (nem sequer estacionamento) e já agora sem obviamente distanciamento social.

Tipicamente a forma mais fácil em Portugal de encarar este tipo de questões (muito) complexas é, por um lado, os queixosos pedirem ajuda, que quer dizer dinheiro, e os governantes despejar dinheiro em cima de um problema, o que raramente é a solução. Neste caso não tem sido diferente: abriram vários “programas” ou linhas de apoio para as mais variadas tipologias de ação e mais se seguirão com a famosa “bazuca”. É curto, porque ficamos todos à mercê dos projetos que são apresentados, dos objetivos de cada um e das suas elegibilidades, muitas vezes vagos e não alinhados numa estratégia e processos perfeitamente definidos e que levem aos resultados desejáveis ou esperados. Veja-se o caso concreto dos “condomínios de aldeia”, conceito que surge decorrente das necessidades óbvias de mais de mil envolventes de aldeias que arderam em 2017, e cuja necessidade incontornável de gestão florestal levou a que fosse (e bem) criado um programa piloto de apoio (que já foi anunciado vir a ser continuado e aumentado no PRR) distribuindo dinheiro a quem se propusesse a trabalhar o tema, mas não sendo definida uma figura legal para sua constituição, não financiando a sua gestão ou constituição, remetendo para os municípios esse papel quando estes nunca o tinham feito e não tem meios humanos e técnicos ou vontade política para o fazer. Resultado: limpezas mecânicas e obras, melhor que nada dirão alguns, mas com certeza com muito pouca sustentabilidade no processo.

Aqui chegados, onde está a solução? Está à vista (e usufruto) de todos e é já sobejamente discutida: remunerar os serviços de ecossistema. Há e tem que continuar a haver floresta produtiva e terá que haver floresta de conservação de biodiversidade e ainda outras áreas geridas, como as faixas de gestão de combustível mas também as áreas de envolventes das aldeias viáveis, de forma a garantir a segurança dos habitantes e, porque não, permitindo outros serviços de ecossistema que não a produção florestal (lazer, turismo, sub-produtos económicos de valores acrescentado como licores de castanha, medronho ou outros). Ou seja, é necessário garantir à partida valor económico para áreas florestais não produtivas e geridas para outros fins, permitindo que proprietários ou a quem estes arrendem ou vendam os seus terrenos retirem benefícios (em prol da criação de segurança de todos) e encontrem alternativa viável ao abandono ou exploração deficiente. A escala destas diversas abordagens é muito diferente, sendo este um fator que não tem sido considerado (sendo maioritariamente previstas abordagens a grandes áreas), tal como outro dos aspetos mais importantes em todos estes processos transformativos: as pessoas. É necessário um acompanhamento permanente de proprietários florestais e principalmente das populações residentes e possíveis investidores no território (florestais e turísticos por exemplo) para explicar e orientar o que pode e deve ser feito.

Em quatro anos, Portugal descobriu que a nossa floresta que tem valor económico arde e mata pessoas e também descobriu que o território onde grande parte dessa floresta está situada é excelente para fazer férias e trabalhar, fugindo da cidade, da confusão das praias e da pandemia. Mas para que estas duas realidades não sejam conflituantes é preciso pensar estrategicamente e a longo prazo, juntar vontades e criar sinergias (coisa difícil no nosso país), e de uma vez por todas investir nas pessoas e nos territórios e sua promoção, garantindo a viabilidade e a sustentabilidade dos investimentos e principalmente das vidas dos que lá estão ou para lá vão temporariamente. Ou então que se esvazie de vez o território e se transforme numa reserva natural ou florestal não habitada, porque retirar de lá pessoas no meio de um incêndio já se provou que não é uma boa solução.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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