O valor de paisagem, esse desconhecido… para a Câmara de Sintra

Hoje em dia, habitam na Vila de Sintra pouco mais de 100 pessoas, que vão resistindo à perda constante de qualidade de vida. A continuar assim, serão cada vez menos.

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O valor de paisagem em Sintra está, tal como o banco virado para o muro, sem perspectiva e em plano inclinado DR

Com vista para o muro, este banco, de pernas desiguais para compensar o plano inclinado da rua que vai da Gandarinha para o centro da Vila, é um símbolo da forma como a Câmara Municipal de Sintra trata o valor de paisagem.

Por mais planos e outras declarações políticas sobre a Paisagem Cultural de Sintra, na prática o que se observa é a falta de sensibilidade para com todas as componentes que justificaram a classificação como Bem Universal de valor excepcional, não só os monumentos mas um património que é feito de fachadas, de muros, jardins e arvoredo e do que lhe é mais essencial: as pessoas, os que aqui vivem e os que por aqui passam.

Em 2018, no seu parecer sobre o Plano de Gestão da Paisagem Cultural de Sintra 2015-2020, o ICOMOS –​ International Council of Monuments and Sites, consultor técnico da UNESCO, apelava à interpretação da Paisagem Cultural como um todo, em detrimento de uma “visão segmentária” enquanto um conjunto de monumentos que tem prevalecido.

A visão segmentária

A Vila é um exemplo cada vez mais triste dessa ‘visão segmentária’ dos organismos responsáveis pela gestão da Paisagem Cultural de Sintra. O Palácio é respeitado na sua integridade e conservação. Mas, à sua volta, instalou-se a feira para o turismo de massas, com múltiplas e variadas agressões ao valor de paisagem.

Entre o que marca hoje negativamente a Vila, sobressaem: 

  • o abandono do antigo hospital da Misericórdia que continua à espera de um novo especulador imobiliário; 
  • os edifícios que continuam em ruína, em frente ao Palácio Valenças, nas Escadinhas do Hospital, a Quinta do Relógio e outros; 
  • as fachadas ‘reabilitadas’ com elementos dissonantes  e, claro, a obra da Gandarinha;
  • as esplanadas que por todo o lado invadem o espaço público; 
  • a impositiva fachada do News Museum, a vaca de centro comercial, as sinaléticas de restaurantes e lojas, as montras e as mercadorias padronizadas para o turismo de massas penduradas às portas;  
  • a deficiente protecção e manutenção do arvoredo, que tanto deixa que arbustos se transformem em árvores e tapem pontos de vista magníficos, como leva à morte de árvores de grande porte; 
  • a escolha e a localização do mobiliário urbano, de que o patético banco com vista para o muro é representativo, mais os recentes canteiros de flores em formato de caixote de terra colidindo com a circulação pedonal que se quer ampla e livre nos espaços de praças e largos, os obtusos blocos de pedra a servir de bancos junto ao Pelourinho, entre outras opções que não são certamente concebidas por paisagistas competentes; 
  • os fios de telecomunicações pendurados nas fachadas; 
  • o trânsito que ao mínimo desconfinamento regressa à confusão, voltando também os tuk-tuks a gasóleo e o estacionamento selvagem, um caos que afecta quem vive em Sintra e quem a visita, mais o permanente ruído visual dos pilaretes que agora enxameiam as ruas e as estradas para a serra…

Grande parte das casas foram transformadas em alojamentos para turistas, tornando cada vez mais rara a existência de habitação para arrendamento permanente. ‘Servida’ por lojas para turistas e por transportes para turistas, viu-se como a Vila se transformou num deserto fantasmagórico quando os turistas deixaram de vir. 

Hoje em dia, habitam na Vila de Sintra pouco mais de 100 pessoas, que vão resistindo à perda constante de qualidade de vida. A continuar assim, serão cada vez menos.

O valor de paisagem em Sintra está, tal como o banco virado para o muro, sem perspectiva e em plano inclinado… 

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