A democracia do futuro

Espero que nestas autárquicas mais pessoas oriundas de outros países queiram e possam participar, pois desta forma estaremos dando mais um passo rumo à democracia plena que inclui os indivíduos numa comunidade política que seja cosmopolita, inclusiva e multicultural.

Uma vez perguntaram-me por que votar em Portugal era para mim tão importante. “Coisa banal é votar em eleições”, disseram-me. No Brasil, o voto é obrigatório e eu não sabia a falta que me faria este direito – só quando o perdi. Talvez me enquadre no leque de pessoas que só dão valor ao que perdem, mas o facto é que quando fui privada de escolher os governantes que decidiriam sobre a minha vida e sobre a vida das pessoas que me são caras, e mesmo sobre a vida de pessoas que eu não conheço mas quero que tenham acesso pelo menos ao fundamental para viverem bem, eu pude perceber que o direito ao voto era deveras precioso e que precisava tê-lo no país que escolhi para viver. Foi assim que busquei os meus direitos políticos em Portugal, para poder votar e sentir-me membro de uma comunidade política e democrática outra vez.

Poder escolher os nossos governantes, ainda que sejam imperfeitos e nos decepcionem pelo caminho, é algo de que ninguém neste mundo deveria ser privado, porque a cidadania nos inclui na sociedade em que vivemos; é importante para não estarmos à margem dela, senão somos súbditos, seres invisíveis sem importância, mas aqueles que fazem o país girar. Por sorte, o caminho dos direitos políticos para brasileiros e brasileiras tinha sido já um tema vencido por diplomatas e políticos de outra geração, que culminou num tratado internacional entre os dois países, mais conhecido como Acordo de Porto Seguro. Este acordo permitiu-me agir como cidadã em Portugal. Posso dizer-vos hoje que participei da escolha de quem me representasse na Assembleia da República, na Presidência portuguesa, e até nas autarquias locais. Levantei-me a dar bom dia para as velhinhas que fazem fila pela manhã nas urnas de voto, sempre com a sua melhor roupa, como se fossem para um grande evento. E como as compreendo! São a geração que fez o 25 de Abril. O dia de eleições para elas é um grande evento, e para mim também! Lá está, talvez tenhamos em comum o desejo de votar, talvez porque o voto nos foi privado anteriormente, ou talvez porque nos apercebemos da importância dele, mas não importa, nós votamos!

Acho que não tão cedo me esquecerei do que li no Diário de Notícias do dia 07 de julho de 2015, sobre o referendo do direito de voto imigrante no Luxemburgo. Era o desabafo do sr. Carlos Alberto, português, que vivia há 43 anos no Luxemburgo e não podia votar. Ele disse naquela época algo que ficou na minha memória quando o referendo pelo voto imigrante foi chumbado: “Para mim esse resultado não é bom, porque toda a gente devia ter o direito de votar, sejam os luxemburgueses, sejam os portugueses.” Ora, de facto, as suas palavras iam de encontro ao que eu pensava que deveria ser a democracia e, passados já alguns anos, tenho a convicção que deveria ser plural, aberta, inclusiva. E em Portugal podemos começar já com as eleições autárquicas.

Nestas eleições não é preciso ser-se apenas português ou natural do Brasil para ter os direitos políticos, mas sim natural de algum Estado-membro da UE, e também dos países com os quais Portugal mantém acordo de reciprocidade além do Brasil, que são: Argentina, Chile, Colômbia, Islândia, Noruega, Nova Zelândia, Peru, Uruguai e Venezuela. Os naturais desses estados devem procurar a junta de freguesia próxima da sua área de residência e efetuar o recenseamento eleitoral para votar nas eleições que se avizinham. Infelizmente, não há uma proatividade governamental (nem partidária) em divulgar esse direito de voto nas eleições locais, pelo que a informação não circula. Mas espero que nestas autárquicas mais pessoas oriundas de outros países queiram e possam participar, pois desta forma estaremos dando mais um passo rumo à democracia plena que inclui os indivíduos numa comunidade política que seja cosmopolita, inclusiva e multicultural — estaremos dando mais um passo rumo à democracia do futuro.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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