O que o mar nos traz

Queria fazer uma ligação entre Olívia e a baleia. Entre o pai de Olívia e de Anna e a baleia. Entre um humano que, ao que tudo indica, mata as duas filhas e o animal que cospe para a liberdade o homem que engoliu por engano.

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BORJA SUAREZ/Reuters

Queria escrever sobre o mar. Mais concretamente sobre duas coisas que aconteceram no mar nos últimos dias, tão distantes uma da outra quanto é possível ser.

Queria falar-vos de Olívia, a menina de seis anos, cujo corpo foi encontrado dentro de um saco no fundo do mar de Tenerife, por um robot que há dias a procurava. A ela e à irmã de apenas um ano, Anna, que à hora a que escrevo ainda não foi descoberta, mas que a justiça espanhola acredita ter tido o mesmo destino da irmã.

As duas meninas desapareceram a 27 de Abril, depois de terem sido levadas pelo pai que, neste momento, é o único suspeito pelo que lhes aconteceu. Um pai que, depois de ter ido recolher as filhas a casa da ex-mulher e ao colégio, desapareceu com ambas, deixando indícios de que teria fugido com as crianças, mas que as terá assassinado em casa antes de as fazer desaparecer no oceano. O homem foi visto a entrar no barco que possuía carregando alguns sacos. Olívia foi encontrada no fundo do mar dentro de um deles. Anna, já não há muito espaço para dúvidas, seguiria em algum dos outros.

A outra história de que vos queria falar é a de um apanhador de lagosta norte-americano que foi engolido por uma baleia-corcunda. O homem estava, como é habitual, a mergulhar em busca de crustáceos, quando foi sugado pela baleia. O seu corpo ficou totalmente dentro da boca do gigante e ele envolvido pela escuridão.

Sabemos isto, porque ele o contou, já a partir da cama do hospital para onde foi levado, por precaução, depois de a baleia o ter cuspido de volta para a liberdade. Demasiado grande para passar pelo esófago estreito da baleia sem dentes, o homem, com o equipamento de mergulho ainda posto, foi devolvido à liberdade poucos segundos depois de ter ido parar, inadvertidamente, à boca do animal.

Queria fazer uma ligação entre Olívia e a baleia. Entre o pai de Olívia e de Anna e a baleia. Entre um humano que, ao que tudo indica, mata as duas filhas e o animal que cospe para a liberdade o homem que engoliu por engano. Sem lhe causar dano. Queria que daqui saísse alguma lição que permitisse que nenhuma outra criança sofresse às mãos de alguma criatura cruel, sobretudo, de um pai. E que percebêssemos que somos apenas uma parte de uma imensa cadeia viva de seres extraordinários que, tantas vezes, se comportam melhor do que nós, os humanos. Hoje, era isto que queria fazer. Mas acho que vou ficar por aqui.

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