“Foi uma facada nas costas.” Manifestantes com dados partilhados vão fazer queixa contra Câmara de Lisboa

Governo russo recebeu informações de organizadores de marcha anti-Putin em Lisboa. Ksenia Ashrafullina diz ao PÚBLICO que teme regressar à Rússia. Autarquia diz que cumpriu a lei, mas alterou procedimentos para evitar novas trocas de dados.

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Manifestações a favor da libertação de Navalny foram reprimidas na Rússia Reuters/ANTON VAGANOV

Os manifestantes cujos dados foram partilhados pela Câmara Municipal de Lisboa com o Governo Russo vão avançar com uma queixa contra a Câmara Municipal de Lisboa. A intenção é avançada ao PÚBLICO por Ksenia Ashrafullina, uma das organizadoras da manifestação contra Putin e uma das afectadas pela troca de dados entre a autarquia e o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.

“Vamos avançar com uma queixa contra todos os envolvidos. Dos técnicos superiores, aos responsáveis hierárquicos, à Câmara Municipal de Lisboa”, explica a activista, dizendo que a única motivação se prende com a “responsabilização” das pessoas envolvidas nesta troca de informações.

Ksenia sente que o envio dos seus dados pessoais – incluindo nome, morada, um número de identificação e um contacto telefónico por email – para o Governo russo foi uma “facada nas costas”, não escondendo na voz a desilusão. “Acreditámos que a partilha de dados serve para o Estado nos proteger. Partilhar com a polícia, que estava no local, e garantir a nossa segurança. Percebemos por que se passam esses dados. Mas não esperávamos que esta facada pudesse chegar: partilhar quem nós somos, com todos os nossos dados, com quem não se deveria. Estamos a manifestar-nos contra o que o Governo russo tinha feito. O Ministério dos Negócios Estrangeiros russos e a embaixada são uma representação deste Governo”, resume.

Desde que tomou conhecimento desta passagem de informação, a activista admite algum receio relativamente a um regresso à Rússia. Ksenia tem dupla nacionalidade e teme que o seu nome esteja já numa lista negra criada pelas autoridades russas. “Provavelmente estamos em alguma lista, [controlada por] um algoritmo. Um de nós passa a fronteira e somos automaticamente reportados como extremistas. Ontem [quarta-feira], toda a rede de Navalny foi considerada extremista. O meu medo é voltar e poder acontecer alguma coisa. Não sei o quê. O Governo russo funciona por aleatoriedade e deixam isso à tua imaginação”, detalha.

Tal como Ksenia, outros dois organizadores de uma manifestação de apoio ao activista activista Alexei Navalny – e anti-Putin – viram os dados pessoais partilhados com a embaixada russa e respectivo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Esta quinta-feira, a Câmara de Lisboa admitiu que estas informações foram trocadas, mas nega qualquer ilegalidade e cumplicidade com o Governo russo.

Em comunicado, a autarquia diz que os dados dos responsáveis pela manifestação foram partilhados para a Polícia de Segurança Pública (PSP), Ministério da Administração Interna e à entidade onde se realizou este evento: a embaixada russa em Lisboa. É ainda dito que a Câmara de Lisboa tem cumprido a lei "de forma homogénea”, adoptando a mesma prática para todas as manifestações. Mas ao mesmo tempo, adianta que mudou internamente os procedimentos para estas manifestações, de modo a acautelar a partilha destes dados sensíveis.

“Nas manifestações subsequentes para as quais foi recebida comunicação (Israel, Cuba e Angola) não foram partilhados quaisquer dados dos promotores com as embaixadas”, garante a autarquia.

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