O carcinoma de células de Merkel passa despercebido?

Ainda que seja uma doença rara, constitui um problema porque a sua incidência tem vindo a crescer significativamente, e é um tipo de tumor que passa despercebido.

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Unsplash/Alonso Reyes

O carcinoma de células de Merkel (CCM) é um tipo de cancro de pele raro, mas com um comportamento clínico agressivo. A taxa de incidência do CCM é variável em diferentes regiões do mundo. As maiores taxas de incidência observam-se na Austrália, cerca de 1 por 100 mil habitantes a cada ano. Nos Estados Unidos e na Europa, diagnosticam-se cerca de 2500 novos casos por ano. Em Portugal, a sua incidência estima-se que seja mais baixa. Ainda que seja uma doença rara, constitui um problema porque a sua incidência tem vindo a crescer significativamente, e é um tipo de tumor que passa despercebido. Os homens são ligeiramente mais afectados do que as mulheres, e é mais comum nas pessoas mais velhas (60 aos 80 anos).

A exposição às radiações ultravioleta e a imunossupressão (diminuição da função do sistema imunológico) são os dois factores de risco mais estabelecidos. Normalmente, surge como um nódulo vermelho, vermelho-azulado ou vermelho-púrpura, não doloroso, localizado na pele do rosto, da cabeça, do pescoço ou, menos frequentemente, nas pernas ou braços, embora possa aparecer em qualquer parte do corpo. O seu nome surge do facto de este tumor ter origem nas células de Merkel normais da pele — descritas pela primeira vez em 1875 pelo médico alemão Friedrich Sigmund Merkel, são responsáveis pela sensação de toque. A exposição solar prolongada parece ser o factor responsável em cerca de 20% dos casos, mas nos restantes o principal responsável é um vírus, chamado poliomavírus, que infecta as células de Merkel da pele de forma crónica, e leva ao desenvolvimento do CCM.

O tratamento do CCM depende do estádio da doença e do estado geral de saúde da pessoa. O tratamento principal, e potencialmente curativo, é a cirurgia, com a remoção completa do nódulo. Nos estádios iniciais localizados (I e II) é recomendada a excisão cirúrgica do nódulo, com análise anatomopatológica, para confirmação do diagnóstico e análise de factores de risco para progressão da doença. Normalmente, é necessário alargar cirurgicamente as margens da cicatriz da remoção do tumor primário, e realização de biópsia de gânglio sentinela (gânglio para onde drenam os vasos linfáticos dessa região da pele onde se encontrava o nódulo). Por vezes, após a remoção dos gânglios linfáticos locais, é recomendável a realização de radioterapia nessa região, para diminuir o risco de recorrência regional (estádio III).

Quando a doença se dissemina para outros órgãos, como pulmão ou fígado (estádio IV), está indicada a realização de tratamento sistémico, isto é, com quimioterapia ou imunoterapia. Durante décadas, foram utilizados diversos esquemas de quimioterapia para o tratamento do CCM avançado, mas com sucesso limitado e efeitos secundários significativos. A grande maioria dos doentes a fazer quimioterapia, progredia ao fim de poucos meses. A investigação clínica mais recente desenvolveu-se na área da imunoterapia, com o objectivo de estimular o sistema imunitário a atacar as células de Merkel cancerígenas. Os tratamentos mais recentes baseiam-se na administração endovenosa de medicamentos de imunoterapia, chamados inibidores do controlo imunológico (“immune checkpoint inhibitors”), com uma taxa de sucesso maior e menos efeitos secundários. A Agência Europeia do Medicamento já aprovou a utilização destes medicamentos na prática clínica.

Não só devemos todos nós estar atentos aos sinais do nosso corpo e procurar ajuda médica se necessário, como também as pessoas que tiveram um CCM devem manter seguimento regular — independentemente da pandemia que atravessamos. São recomendadas após o tratamento, consultas regulares de 3/3 meses ou 4/4 meses durante os três primeiros anos, e posteriormente de 6/6 meses, até pelo menos ao quinto ano.

É também importante o conhecimento das formas de prevenção do cancro da pele, no qual o CCM se inclui:

  • Cuidado com a exposição solar excessiva (especialmente entre as 10h30 e as 16h)
  • Evitar tentar bronzear-se e utilizar solários
  • Proteger-se com vestuário adequado (uso de chapéu e óculos de sol)
  • Utilizar um protector solar de largo espectro, mesmo com exposição indirecta ao sol
  • Os bebés com menos de 6 meses não devem ser expostos ao sol (mesmo com protector solar)
  • Examine a sua pele todos os meses, e se surgirem alterações, consulte o seu médico
  • Se tiver pele clara e com sinais, deve ser seguido regularmente por um dermatologista para vigilância mais apertada

Se bem que os métodos de diagnóstico e os tratamentos existentes estejam a evoluir e, consequentemente, a ter impacto no sucesso dos cuidados aos doentes oncológicos, insisto na partilha destas medidas de prevenção, pois estas são a nossa melhor arma no combate ao cancro da pele.

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