Jornal independente russo classificado como “agente estrangeiro” fecha portas

Foi a primeira vez que um meio de comunicação social que raramente aborda assuntos de política interna ou questões sociais sensíveis foi assim classificado, diz o Financial Times.

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A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russos defendeu esta quinta-feira a classificação de "agentes estrangeiros" EVGENIA NOVOZHENINA/Reuters

O jornal independente russo VTimes anunciou que vai encerrar as portas a 12 de Junho, três semanas depois de ter sido classificado como “agente estrangeiro” pelas autoridades russas. Numa nota publicada esta quinta-feira, o órgão de informação afirma que a decisão foi tomada tendo em conta as multas e processos crimes a que o jornal e os seus jornalistas se arriscavam, mas também por não querer veicular propaganda do Estado.

“Informamos que não descobrimos nenhuma forma de manter a publicação”, lê-se na nota. “Em cada cenário, havia sempre o risco de os nossos funcionários serem acusados de crimes, com a possibilidade de serem detidos”, explicou a nota.

O que foi matando aos poucos a viabilidade da publicação foi a classificação como “agente estrangeiro”, que “destruiu o modelo de negócios do VTimes”: “Os anunciantes e parceiros não sabem como cooperar” com um agente estrangeiro, e as doações dos leitores não são suficientes, refere. Também a cobertura noticiosa ficou afectada, porque “muitos responsáveis, empresários e inclusivamente analistas têm receio de prestar declarações a “agentes estrangeiros”.

A publicação foi criada com o objectivo de criar uma plataforma “independente e de alta qualidade”, e não servir como “ferramenta propagandística”. Mas, diz, percebeu “em primeira mão que as autoridades russas não têm interesse em media profissionais e não-governamentais”.

O VTimes foi inaugurado há pouco mais de um ano, detido por uma entidade sediada nos Países Baixos e fundado por antigos jornalistas do diário económico Vedomosti, que saíram do órgão após a chegada de um director pró-Kremlin. “Estamos a ser forçados a entrar no nicho dos media da oposição política russa”, continuou.

Segundo o jornalista Henry Foy do Financial Times, especializado na Rússia, o caso do VTimes é inédito na Rússia, já que é a primeira vez que um meio de comunicação que raramente aborda assuntos de política interna ou questões sociais sensíveis é classificado como “agente estrangeiro”.

A definição de “agente estrangeiro” surgiu em 2012, inicialmente dirigida sobretudo a organizações não-governamentais estrangeiras, que o Kremlin acusava de promoverem manifestações contra o regime.

A lei foi sofrendo alterações e começou também a incluir meios de comunicação que, segundo as autoridades, promovem interesses políticos de outros países. Desde então, dez órgãos independentes financiados pelo Governo norte-americano entraram para essa lista. Em 2019, a classificação estendeu-se a jornalista e bloggers.

No mesmo dia, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, defendeu que a classificação de “agentes estrangeiros” destinava-se a fazer frente às acções dos EUA. “Qualquer esforço para mostrar que a implementação da lei é uma tentativa de acabar com a presença dos órgãos estrangeiros é mentira”, acrescentou, negando as acusações de que Moscovo restringe as actividades jornalísticas no país.

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