Deputada Cristina Rodrigues propõe aumento do prazo de prescrição em crime sexuais contra crianças

O projecto de lei resulta de um trabalho conjunto com a associação Quebrar o Silêncio, de apoio a homens vítimas de abusos sexuais, e com a Associação de Mulheres Contra a Violência. Prazo previsto no Código Penal “está desajustado da realidade”, dizem.

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Ricardo Lopes

A deputada não inscrita Cristina Rodrigues quer prolongar o prazo de prescrição nos crimes sexuais contra crianças, para que possam apresentar queixa até aos 50 anos, respeitando o tempo das vítimas que muitas vezes só denunciam em adultas.

A deputada submeteu na sexta-feira um projecto de lei que dará entrada nesta segunda-feira para levar a Assembleia da República a discutir o prolongamento do prazo de prescrição dos crimes sexuais contra menores, já que a legislação actual prevê que estes crimes prescrevam cinco anos depois de a vítima completar 18 anos, ou seja, aos 23 anos.

O projecto de lei é resultado de um trabalho conjunto com a associação Quebrar o Silêncio, de apoio a homens vítimas de abusos sexuais, e com a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), e tem como objectivo alterar o Código Penal português para dilatar o prazo que a vítima de crimes sexuais tem para denunciar o que lhe aconteceu.

Cristina Rodrigues já tinha anunciado em Fevereiro que iria propor que “todos os crimes” contra a liberdade e autodeterminação sexual fossem crimes públicos, devido ao impacto que têm para as vítimas. 

Por essa ocasião também o deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, entregou na Assembleia um diploma no qual defende que os crimes sexuais passem a ser de natureza pública, garantindo, ao mesmo tempo, à vítima a faculdade de requerer a suspensão provisória do processo, de forma livre e informada”, o que também implicaria alterações ao Código Penal. 

Em declarações à agência Lusa, Cristina Rodrigues defendeu que o prazo de prescrição actualmente previsto no Código Penal português “está desajustado da realidade”, já que “uma das características deste tipo de crime é [que] a vítima não percepciona imediatamente que foi sujeita a este tipo de crime e demora algum tempo até o vir denunciar”. 

“Por essa razão, a média [de idade] em que se tenta fazer a denúncia deste tipo de abusos é por volta dos 30, 35 anos”, apontou.

Coragem de denunciar

Ângelo Fernandes, presidente da Quebrar o Silêncio e também ele vítima de um crime sexual quando era menor, afirmou que só aos 30 anos conseguiu ter a coragem de contar, e defendeu que esta proposta “traz um sistema e um código penal que respeita e está centrado nos direitos da vítima”.

“Sabemos que na maioria dos casos que ocorrem na infância, as vítimas, sejam rapazes ou raparigas, só partilham essa situação 20 ou 30 anos depois e nessa altura já não é possível denunciar, já não é possível fazer nada, o que significa que estes abusadores continuam a abusar de crianças”, apontou, sublinhando que há estudos que indicam que “um abusador é capaz de abusar até 40 crianças ou mais”.

Na perspectiva do presidente da Quebrar o Silêncio, é necessário um Código Penal centrado nas vítimas, que reconheça as características e especificidades de terem sido alvo de crimes sexuais. Ângelo Fernandes considera que não faz sentido um crime prescrever aos 23 anos da vítima quando se sabe que a maior parte demora 20 ou 30 anos a fazer a denúncia.

Margarida Medina Martins, presidente da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), explicou que o direito a procurar justiça e a responsabilizar os agressores é algo que para as vítimas assume uma importância central, nomeadamente “perceber que o sofrimento em que se encontram não resulta delas, mas de uma situação traumática”.

Reposição da justiça

A presidente desta associação defendeu que o alargamento do prazo de prescrição “é fundamental” porque dessa forma a vítima sabe que tem oportunidade de pedir ajuda e fazer a denúncia na idade adulta, agora “mais fortalecida e consciente”. “É uma reposição de justiça”, defendeu.

Margarida Martins afirmou, por outro lado, que “há muitas situações” de pessoas que só em adultas percebem que foram vítimas de violência sexual em crianças, um fenómeno que a associação observou acontecer durante a pandemia de covid-19.

Perante estes casos, a deputada Cristina Rodrigues entende que Portugal tem “um prazo de prescrição que está desajustado da realidade” e aponta que, depois de ter analisado a situação noutros países, constatou que nalguns existem prazos muito mais extensos e noutros não existe qualquer prazo podendo a vítima fazer queixa em qualquer altura.

Cristina Rodrigues explicou que o Código Penal português determina três prazos prescricionais, o mais grave de 15 anos e o menos grave de cinco anos. No caso dos crimes sexuais contra crianças, existe a particularidade de só se iniciar a partir da maioridade da vítima.

A par da entrega do projecto de lei, a associação Quebrar o Silêncio e a Associação de Mulheres Contra a Violência apresentam uma campanha pelo aumento do prazo de prescrição.

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