Devia haver sempre um bebé por perto

Um bebé feliz igual a todos os outros bebés saudáveis sem uma preocupação na vida. Mas isso é mais do que suficiente. Isso é tudo. Há uma felicidade instintiva que parece emanar da presença de um bebé assim. Como se tudo ficasse um bocadinho mais leve.

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saiid bel/Unsplash

O miúdo ainda não tem ano e meio, mas enche a casa toda. Quando anda por perto é certo haver baba (metafórica) a cair pelo queixo de cada um dos adultos presentes, olhos a brilhar e gargalhadas fáceis. Não precisa de fazer grande coisa. Mas faz. Os miúdos pequeninos estão sempre a fazer grandes coisas, porque estão a descobrir tudo.

Primeiro bastava estar presente. Bastava o seu extraordinário cheiro de bebé, o riso, as caras de choro, agarrar um dos nossos dedos como se toda a segurança do mundo estivesse concentrada nesse acto. Estar ali, ao alcance da vista, das mãos, dos ouvidos e do nariz (porque ele cheira mesmo bem) chegava para uma névoa de felicidade se espalhar pela casa. Depois, já rebolava, tinha dentes a começar a encher-lhe a boca, a seguir gatinhava, e de um momento para o outro começou a andar. E até já se levanta sozinho do chão e conduz cadeiras pela sala como se fossem automóveis, fazendo curvas apertadas, mas choramingando por ajuda, quando alguma carpete lhe trava o avanço.

Por enquanto, ainda não diz grande coisa, mas faz questão de gritar bem alto o que já aprendeu. Atira “olá” a torto e a direito, seja às pessoas que partilham com ele a sala há horas e para quem calha de olhar, seja para o desconhecido que vê lá em baixo na rua, ao espreitar da varanda. Se a campainha da porta toca (ou algo que identifique como tal), repete “papá”, “papá”, porque é ele que o há-de vir buscar. E também já diz “mamã”. Quanto ao resto, lá se vai desenrascando.

Um dia destes, deram-lhe a experimentar um arroz diferente. Gostou. Andava às voltas pela sala a mastigar (porque já tinha almoçado, isto era só um “extra”) e, de cada vez que terminava, aproximava-se de quem lhe dera a iguaria, abria muito a boca e emitia um “aaaa”, que era — toda a gente percebeu — a forma de dizer “acabei, quero mais”. Repetiu a operação enquanto lhe apeteceu, e depois, foi à vida dele.

Já descobriu, é claro, os interruptores dos candeeiros do tecto e fica maravilhado, de sorriso a revelar os dentes pequeninos, a ver as luzes a acenderem e a apagarem. Também já sabe quais são os botões que ligam os diferentes aparelhos de música da casa e assim que carrega, às vezes com a música ainda mal começada, deixa o tronco abanar para um lado e para o outro, numa dança de pés presos ao chão que parece enchê-lo de felicidade.

Ouve “rua” e já ninguém o pára. Se alguém calça os sapatos para sair de casa, ele fica a rondar, a pedir, como quem diz que também quer ir. Come tudo o que lhe põem à frente, fica a sorrir para desenhos animados coloridos, sobretudo se forem acompanhados de música, e franze o sobrolho e os olhos se alguém lhe atira um “não”.

Aqui, já mudou. Há uns meses qualquer chamada de atenção era recebida com um baixar de cabeça, ficava a olhar para o chão, como quem diz que nem lhe apetecia ver-nos, por estarmos a contrariá-lo. Agora, se ouve um “nãaaaao”, pára, como que para garantir que é mesmo com ele, e depois encara-nos, ainda de cabeça um pouco baixa, e olhos semicerrados, numa expressão que — obviamente — só consegue fazer-nos rir à gargalhada.

É só um bebé, como já perceberam. Um bebé feliz igual a todos os outros bebés saudáveis sem uma preocupação na vida. Mas isso é mais do que suficiente. Isso é tudo. Há uma felicidade instintiva que parece emanar da presença de um bebé assim. Como se tudo ficasse um bocadinho mais leve.

Cá em casa, com algumas interrupções, foi sempre havendo bebés. As crianças por quem a minha mãe olhava, os sobrinhos e, agora, os filhos dos sobrinhos. São um botão instantâneo de felicidade, sempre prontos a mostrar-nos que é preciso quase nada para sentir que tudo está perfeito. Quando dormem nos nossos braços, ou se riem para nós, quando pousam a cabeça no nosso ombro, nos apertam num abraço ou nos deixam consolá-los se se magoam ou se aborrecem. E se desatam naquelas gargalhadas imparáveis a que chamamos dobrar o riso, são irresistíveis. Vê-los crescer, apreender o mundo com todo o corpo — porque vêem, mas também saboreiam, tacteiam e gostam de sentir a textura do que pisam por baixo dos pés — é uma lembrança permanente de tudo o que nos esquecemos de continuar a apreciar.

Devia haver sempre bebés por perto. Dificilmente se encontrará uma escola de felicidade melhor.

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