Uma criança de seis anos sobreviveu a um ataque israelita — mas perdeu a família

Suzy acordou sozinha num hospital em Gaza. Já lá estava o seu pai, que pensava ter ficado sozinho. Os dois foram os únicos sobreviventes da família a um ataque israelita que destruiu a sua casa.

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Suzy Eshkuntana, de seis anos, acordou sozinha no maior hospital de Gaza, para onde foi transportada depois de ter sido resgatada dos escombros da sua casa, destruída antes do amanhecer por um ataque israelita que matou a sua mãe e os quatro irmãos.

A criança, que esteve encarcerada durante sete horas nos destroços, encontrou-se com o pai, que também estava a tratar ferimentos no hospital Shifa. “Perdoa-me, filha. Tu gritaste para eu te ir buscar, mas eu não consegui”, disse-lhe Riyad Eshkuntana, depois de os médicos os terem colocado em camas juntas.

A casa da família palestiniana foi destruída num dos ataques aéreos de Israel deste domingo, numa onda de bombardeamentos que as autoridades de saúde dizem ter matado 42 pessoas, incluindo dez crianças, e aumentado o número de mortes em Gaza na última semana para 192.

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Israel diz estar a atacar o movimento islamita Hamas, que controla a sobrepovoada Faixa de Gaza, e que juntamente com a Jihad Islâmica e outros grupos militantes dispararam 2800 rockets em direcção a cidades israelitas. Esses rockets mataram dez pessoas em Israel, incluindo duas crianças. Também enviaram milhões de israelitas para “salas de pânico” e abrigos, enquanto as sirenes que avisam da existência de rockets disparam a todas as horas, durante o dia e a noite.

“O motivo por que há estas mortes é porque o Hamas está a atacar-nos criminalmente de bairros civis”, disse Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita, à CBS.

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O ataque na casa de Eshkuntana foi na mesma área do ataque israelita a uma rede de túneis de combate em Gaza. O colapso dos túneis fez com que as casas que estavam sobre eles desmoronassem e provocassem mortes não intencionais, dizem os militares.

Dúzias de equipas de resgate, polícias, familiares e vizinhos juntaram-se nos destroços da casa de Eshkuntana durante a operação de busca e resgate. Depois de várias horas, trabalhadores que estavam debaixo das paredes derrubadas começaram a cantar “Allahu Akbar” — “Deus é grande” —, um sinal de que iriam trazer alguém com vida.

Suzy, coberta de pó e demasiado fraca para levantar a cabeça, chorava enquanto era levada para uma ambulância.

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Familiares ansiosos

No hospital, os familiares perguntavam ansiosamente por detalhes, à medida que mais mortos chegavam. “Este é o Yehya? É o Yehya?”, choravam homens e mulheres no hall da recepção, pouco antes de os médicos lhes dizerem que o rapaz de quatro anos, o irmão de Suzy, estava morto. Duas das mulheres desmaiaram.

Minutos depois, o corpo de uma rapariga entrou. “Eles trouxeram a Dana. Dana, Dana, estás bem?”, perguntaram. Mas a menina também estava morta, juntamente com o seu outro irmão e irmã.

Ver Suzy com os olhos abertos trouxe um breve momento de alegria, antes de ser levada para fazer um raio-x. Os médicos disseram que estava ferida, mas não tinha lesões graves, e foi levada para a cama de hospital, junto do seu pai.

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Riyad Eshkuntana disse que acreditava que a família estava segura porque havia médicos a viver no mesmo prédio e ele tinha posto as crianças naquilo que acreditava ser uma sala segura. “De repente, um estranho rocket, como fogo e chamas, destruiu duas paredes”, disse à Reuters. Os pais correram para ver como estavam os filhos, quando uma segunda explosão destruiu o tecto. “Ouvi o meu filho Zain a chamar: ‘Papá, papá.’ A sua voz parecia-me bem, mas não me consegui virar para olhar para ele porque estava encurralado”, disse.

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Quando os socorristas gritaram pelos sobreviventes, Eshkuntana estava demasiado fraco para gritar de volta, mas, quando alguém voltou meia hora mais tarde, conseguiu chamar a sua atenção.

Deitado na cama de hospital junto da sua filha sobrevivente, com um curativo à volta de toda a cabeça, confessou que, no início, queria morrer. “Estava cheio de raiva do universo, mas, quando ouvi que uma das minhas filhas estava viva, agradeci a Deus, porque esta rapariga pode captar algum — nem que seja um bocadinho — do sorriso das minhas outras filhas, porque é a sua irmã.”