Resgate após ataque a Palma privilegiou brancos, diz Amnistia Internacional

Entre as 200 pessoas que procuraram refúgio num hotel da cidade moçambicana, apenas os brancos foram resgatados.

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Deslocados que fugiram de Palma após o ataque terrorista Paulo Pimenta

Até os cães do gerente de um hotel de Palma foram resgatados primeiro que os habitantes negros da cidade moçambicana durante um ataque terrorista em Março, que deixou dezenas de mortos, revela um relatório da Amnistia Internacional publicado esta semana. A operação de salvamento foi “racista”, acusa a organização de defesa dos direitos humanos.

A 24 de Março a vila de Palma foi atacada por um grupo jihadista e mais de duas centenas de pessoas procuraram refúgio no hotel Amarula, onde habitualmente se hospedavam os funcionários de empresas estrangeiras que operam na região de Cabo Delgado. É ali, por exemplo, que a petrolífera francesa Total estava a iniciar os trabalhos de exploração de uma reserva de gás natural, num dos maiores projectos do continente africano.

Entre os 200 civis que se refugiaram no Amarula havia 20 brancos, diz a Amnistia Internacional, e foram eles os primeiros a serem resgatados. Entre os primeiros grupos a serem salvos estavam os dois cães pastores alemães do gerente do hotel, que foram priorizados face ao resto das pessoas abrigadas.

“Depois de a maioria dos funcionários brancos e de alguns cidadãos negros abastados – entre os quais o administrador de Palma – serem salvos, os que ficaram para trás tentaram fugir por terra”, acabando por ser atacados pelos jihadistas, diz a Amnistia. Dias depois do ataque, eram encontrados corpos de pessoas decapitadas nas imediações do Amarula.

O relatório baseia-se em entrevistas a onze pessoas que estiveram refugiadas no hotel Amarula, entre as quais cinco que fugiram a pé e sobreviveram ao ataque posterior. As testemunhas apontam responsabilidades à gerência do hotel e aos operacionais do Dyck Advisory Group (DAG), uma empresa de segurança privada sul-africana que apoiava as autoridades locais nos combates contra os jihadistas na região.

Um dos sobreviventes disse à Amnistia que não queria que “todos os brancos fossem salvos”. “Sabíamos que, assim que todos os brancos saíssem, nós seríamos deixados para morrer”, contou. Os helicópteros que fizeram os resgates tinham capacidade para transportar apenas seis pessoas de uma vez e realizaram quatro viagens.

O director regional da Amnistia Internacional para o Leste e Sul de África, Deprose Muchena, diz que os testemunhos mostram que “o plano de resgate foi segregado racialmente” e aponta responsabilidades às autoridades locais e ao DAG. “A total falta de coordenação entre as forças de segurança moçambicanas e o DAG resultaram em evacuações que foram racistas e que devem ser investigadas profundamente”, afirma.

O fundado do grupo de segurança privada, Lionel Dyck, rejeitou as acusações e disse que os testemunhos veiculados pela Amnistia “não são de todo rigorosos”, em declarações à AFP.

O ataque a Palma foi uma das acções com maior impacto na insurgência travada em Cabo Delgado há mais de três anos, e que causou uma crise humanitária nesta região moçambicana, com milhares de deslocados.

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