A indústria farmacêutica suíça exporta quase metade do PIB português. Pode Portugal lá chegar?

De acordo com a European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations, em 2018 a Suíça exportou o equivalente a 78 mil milhões de euros em produtos farmacêuticos, enquanto Portugal exportava mil milhões de euros.

Há mais de 12 anos que trabalho na Suíça, entre outros países europeus, e tenho observado “de dentro” a dinâmica do cluster da indústria farmacêutica, um dos mais importantes no país.

A criação de um sector industrial/económico forte e competitivo, e a Suíça tem vários, passa por um processo longo. A indústria farmacêutica na Suíça teve origem há mais de 200 anos na indústria têxtil. Depois de uma evolução que passou pelos químicos (e.g. fertilizantes e pesticidas), chegou mais recentemente à biotecnologia.

Apesar de a Suíça ter uma tendência histórica para o secretismo (veja-se o segredo bancário), este país — que tem quatro línguas oficiais — está habituado a colaborações internacionais. A Suíça, apesar de não ter muitos recursos naturais, tem sabido tirar partido da sua localização e ambiente competitivo para captar talentos internacionais, que são tão importantes nesta indústria.

O país tem um ecossistema que permite a forte proximidade entre start-ups, grandes multinacionais (Roche e Novartis) e universidades de topo (ETH Zurich, EPFL). Num sector em que são necessários trabalhadores altamente especializados, a capacidade de inovação é crucial e segundo o recente relatório do Institute for Management Development (IMD) sobre a competitividade dos países, a Suíça ocupa o terceiro lugar mundial (Portugal é 37.º).

Talvez possa parecer um sonho demasiado ousado Portugal ambicionar ter uma indústria farmacêutica como a da Suíça. Contudo, devemos almejar um posicionamento mais competitivo neste sector tão exigente a nível de investimento. De acordo com um artigo da consultora McKinsey, o custo estimado para colocar um medicamento no mercado é, em média, de 2,2 mil milhões de euros. A criação de uma grande empresa nacional com vendas superiores a mil milhões de euros, respeitando as tradições das empresas familiares com uma longa e meritória história, permitiria criar músculo financeiro nacional e, quiçá, uma empresa farmacêutica de dimensões médias no contexto europeu.

Portugal tem agora uma enorme oportunidade no cruzamento entre a área da saúde e das novas tecnologias (exemplos disponíveis no podcast “cruzamento”). De acordo com um artigo publicado pela Grand View Researh, o mercado mundial da saúde digital valerá 245 mil milhões de euros em 2028. Esta “nova indústria farmacêutica” ainda está em fase de desenvolvimento, o que pode permitir a Portugal “apanhar a onda”, sendo que exige um menor investimento inicial em infra-estruturas. Também permite continuar a aposta que Portugal tem feito na formação de talentos nas áreas das novas tecnologias, o que é comprovado pelos quatro unicórnios: Farfetch, Outsystems, Talkdesk e Feedzai.

Portugal pode ambicionar a ter uma indústria farmacêutica com um peso no PIB Português muito maior. Isso passará por apostar na indústria farmacêutica tradicional (com a criação de uma ou várias empresas farmacêuticas de escala média a nível europeu), mas sobretudo pela aposta na “nova indústria farmacêutica”, cruzando saúde e tecnologias.

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