Família ou famílias?

Para as crianças, o que define uma família são os afectos. Isso mesmo, os afectos positivos, saudáveis e genuínos. E, quando estes estão presentes, tudo o resto é secundário.

O que define uma família? Serão os laços biológicos, o facto de partilharem a mesma casa, terem o mesmo apelido ou uma vivência em comum? Ou será que o conceito de família vai muito para além disso?

Com vista à criação de uma história infantil sobre a diversidade familiar, fomos ouvir quem mais sabe sobre este tema e sobre tantos outros: as crianças. Perguntámos a mais de cem crianças, inseridas nos mais variados contextos familiares, “o que é para ti uma família? O que a caracteriza? E quem são as pessoas da tua família?” [1].

E as repostas, claro está, surpreendem-nos de forma positiva. Ou não fossem as crianças os seres mais sábios de que há memória.

Os adultos (ou muitos deles) têm a cabeça e o coração cheios de preconceitos, estereótipos e distorções. Pensam no que é uma família normal, dizem que a família se desfez com o divórcio e, quando alguém volta a casar, afirmam que refez a sua vida. Olham de lado para uma criança que tem dois pais ou duas mães, acreditando que tem de existir, sempre, um progenitor de cada género, e sentem pena das crianças que vivem com os tios ou os avós. Mandam as crianças refugiadas voltarem lá para onde vieram, acham aberrante a ideia de uma produção independente e ficam de pé atrás com as crianças acolhidas ou adoptadas, entendidas sempre como problemáticas.

Pois para as crianças é tudo muito simples. Não interessa se partilham os mesmos genes, a mesma casa ou sequer o mesmo país. Não importa de que género são, quantos anos têm inscritos no cartão de cidadão ou qual a cor da sua pele. Podem acreditar em deuses diferentes, não acreditar em deus nenhum ou em todos ao mesmo tempo. Podem falar a mesma língua ou outra qualquer, ter dinheiro ou não, estar vivos ou mortos.

Para as crianças, o que define uma família são os afectos. Isso mesmo, os afectos positivos, saudáveis e genuínos. E, quando estes estão presentes, tudo o resto é secundário.

O amor é a cola que une as pessoas e envolve também os animais de estimação, tantas vezes referidos pelas crianças como parte integrante da sua família.

Em jeito de conclusão, recordo o comentário de uma criança: “Que pergunta tão estranha! O que é uma família? Basta pensar nas pessoas e nos animais de quem gostamos e que gostam de nós. Simples.”

Somos nós, os adultos, que complicamos tudo.

[1] Amorim, S. & Agulhas, R. (2017). Álbum de Famílias. Lisboa: Booksmile

Sugerir correcção
Comentar