Covid-19: proprietários de casas do Zmar recusam ceder habitações para isolamento

Advogado de mais de metade dos proprietários do Zmar espera que o Governo os contacte e acusa o executivo de não conhecer o empreendimento. Duas dezenas de proprietários concentraram-se esta tarde à porta do empreendimento em protesto contra a requisição.

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Cerca de 20 proprietários com habitações no empreendimento Zmar, no concelho de Odemira, concentraram-se esta sexta-feira no local em protesto contra a requisição decretada pelo Governo, para ali alojar pessoas em isolamento profiláctico, e recusam-se a abandonar as casas.

Em declarações aos jornalistas, o advogado Nuno Silva Vieira, que representa 114 dos 160 proprietários, esclareceu que o Zmar “não é apenas um parque de campismo, mas sim um espaço onde existem várias habitações particulares”.

“Há 260 casas, 160 de particulares, e esta requisição civil [do Governo] é para todo o empreendimento, por isso espero que esta decisão venha a ser alterada pelo Governo”, sublinhou.

O primeiro-ministro anunciou no final do Conselho de Ministros na quinta-feira que o executivo iria fazer requisições naquele município alentejano, com o objectivo de instalar pessoas infectadas, pessoas em risco de contágio e também população que vive em situação de “insalubridade habitacional admissível, com hipersobrelotação das habitações”, como é o caso de vários trabalhadores agrícolas emigrantes, entre os quais têm sido detectados surtos da doença covid-19.

Num despacho publicado na quinta-feira à noite em Diário da República e que produziu efeitos imediatos, o Governo decretou “a requisição temporária, por motivos de urgência e de interesse público e nacional, da totalidade dos imóveis e dos direitos a eles inerentes que compõem o empreendimento Zmar Eco Experience, localizado na freguesia de Longueira-Almograve”.

“A situação epidemiológica, particularmente grave no município de Odemira, bem como a falta de acordo com a sociedade comercial supra indicada, fundamenta que, por razões de interesse público e nacional, com carácter de urgência se reconheça a necessidade de requisitar temporariamente o ZMar Eco Experience e os respectivos serviços“, refere o despacho dos gabinetes do primeiro-ministro e do ministro da Administração Interna.

O espaço ficará alocado à realização do “confinamento obrigatório e do isolamento profiláctico por pessoa a quem o mesmo tenha sido determinado”, lê-se no diploma. Segundo Nuno Silva Vieira, a requisição do Governo é sobre todas as habitações, o que demonstra que o executivo desconhece o empreendimento. “Ninguém vai sair das suas casas e vamos ficar aqui tranquilamente à espera que o Governo venha falar connosco, porque com certeza o Governo não conhece este empreendimento”, destacou.

O advogado reforçou que o resort não é um parque de campismo e que, “de acordo com a mais elementar regra constitucional do direito à habitação, ninguém pode sair das suas casas sem um despacho do tribunal”.

“O Governo não é o tribunal e as pessoas que aqui vivem não vão abandonar as suas casas para dar lugar a pessoas doentes. Não se trata de má vontade, tem a ver com leis”, apontou.

“Se a resolução ministerial fizesse referência apenas a uma parte, a coisas concretas, nós até entendíamos. Mas neste momento todo o empreendimento está completamente requisitado, por ordem civil, policial e até militar. E nós não vamos deixar ninguém entrar aqui”, disse Nuno Silva Vieira em declarações à TVI24.

Saúde pública justificou a requisição, diz Eduardo Cabrita

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, considerou que uma compensação pela requisição do complexo turístico Zmar, em Odemira, devido à pandemia de covid-19, “não tem relevância” e que “o que está em causa é a saúde pública”.

Questionado pelos jornalistas, em Vendas Novas, no distrito de Évora, sobre se haverá uma compensação financeira para os proprietários do Zmar, o governante respondeu que “essa questão não tem relevância” e que “o que está em causa é a saúde pública”. Perante a insistência dos jornalistas, Eduardo Cabrita remeteu para o Ministério das Finanças a questão, por ser quem “assumirá as responsabilidades necessárias no termo do Código das Expropriações”.

“Mas o que é fundamental é garantir que as pessoas que não têm condições de habitação digna” tenham a possibilidade de cumprir as “regras de isolamento profiláctico”, sublinhou, citado pela Lusa.

Investimento no empreendimento em risco?

As dificuldades financeiras do empreendimento levaram a empresa gestora a avançar para a insolvência, mas um acordo entre credores e um plano de investimento previa a reabertura do espaço em 28 de Maio. De acordo com o administrador de insolvência, Pedro Pidwell, a requisição civil do Governo pode inviabilizar o investimento, “colocando em causa todo o processo”.

Em declarações à Lusa, Pedro Pidwell disse que “a requisição civil para os fins a que se propõe coloca em causa a época alta e a facturação que seria essencial para que a empresa pudesse prosseguir a sua recuperação”. “Isto aponta para a liquidação da empresa e para a extinção de mais de 100 postos de trabalho”, alertou.

Para o responsável, a ocupação turística do resort pode ficar comprometida durante o Verão, porque, no seu entender, “passar férias num sítio que foi um ‘covidário' não é a solução mais apelativa”. Pedro Pidwell disse aos jornalistas que foi enviada uma carta ao ministro da Economia “a explicar a situação e a expor os argumentos dos gestores e proprietários, mas, ao contrário do que foi dito, não houve qualquer resposta [da parte do Governo].

Alexandra Beato, uma das proprietárias, disse aos jornalistas que “a decisão do Governo não faz qualquer sentido, uma vez que as casas estão equipadas com os bens pessoais de cada pessoa”. “Isto não é governar, isto é desgovernar, porque o que estamos a assistir não faz qualquer sentido, porque quem tomou esta decisão não se deu ao trabalho de perceber que tipo de empreendimento é este”, enfatizou.

A ceramista e ex-manequim Anna Westerlund, proprietária de pelo menos uma das habitações, recorreu às redes sociais para criticar a acção do Governo, classificando-a de “muito grave”.

“Isto que está a acontecer com o Zmar, e que parece uma simples requisição civil para resolver a covid naquela zona, é o camuflar de uma descaracterização daquela região que se enche de estufas, da ganância económica que não pára para pensar nem olha a meios”, acusa a proprietária, referindo que as situações de sobrelotação verificadas no alojamento para os emigrantes não existem só “desde o tempo da covid”.

O Zmar situa-se na freguesia de Almograve-Longueira, umas das duas freguesias – juntamente com São Teotónio – do concelho de Odemira que estão sob cerca sanitária para controlo epidemiológico da covid-19, decisão decretada pelo Governo na quinta-feira.

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