À medida que o clima muda, os glaciares derretem-se (ainda) mais depressa

Estudo publicado esta quarta-feira na Nature conclui que os glaciares de todo o mundo estão a derreter-se a ritmo mais acelerado do que se pensava.

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O Glaciar Klinaklini é o maior glaciar do Canadá Ocidental (quase 500 km²), e também o nome do computador que processou as imagens sobre todos os glaciares a nível mundial, num esforço que demorou cerca de um ano Brian Menounos

Quase todos os glaciares do mundo estão a perder massa – e a um ritmo acelerado, de acordo com um novo estudo publicado esta quarta-feira e que pode vir a ter um impacto nas projecções que os cientistas fazem sobre a perda de gelo na Terra. O estudo, publicado na revista científica Nature, fornece uma das mais amplas visões apresentadas até agora sobre a perda de massa de gelo em cerca de 220 mil glaciares em todo o mundo, uma das principais causas de subida do nível do mar.

Utilizando imagens de alta resolução do satélite Terra da NASA captadas entre 2000 e 2019, um grupo de cientistas internacionais descobriu que os glaciares, com excepção da Gronelândia e dos lençóis de gelo da Antárctida, que foram excluídos do estudo, perderam uma média de 267 gigatoneladas de gelo por ano. Para termos uma ideia: uma gigatonelada de gelo encheria o Central Park da cidade de Nova Iorque numa parede de gelo que ficaria com 341 metros de altura.

A perda registada representa 21% da subida do nível do mar observada. “A perda de massa dos glaciares tem vindo a acelerar a 48 gigatoneladas por ano desde 2000, o que poderia explicar 6-19% da aceleração da subida do nível do mar observada”, refere o artigo. ​

Assim, os investigadores concluíram ainda que a perda de massa glaciar se acelerou. Os glaciares perderam 227 gigatoneladas de gelo anualmente entre os anos de 2000 a 2004, mas a perda aumentou para uma média de 298 gigatoneladas por ano após 2015. O degelo teve um impacto significativo no nível do mar de cerca de 0,74 milímetros por ano.

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Os cientistas fazem notar que os glaciares têm uma resposta mais rápida às alterações climáticas, quando se compara com o impacto nos lençóis de gelo na Gronelândia e na Antárctida, e estão actualmente a contribuir mais para a subida do nível do mar do que os lençóis de gelo individuais. Compreender como os glaciares se derretem com o tempo, e como isto modifica a hidrologia regional e contribui para a subida do nível do mar, pode ajudar a melhorar os modelos que prevêem mudanças futuras e pode informar estratégias para gerir os recursos hídricos e mitigar a subida do nível do mar.

Robert McNabb, cientista da Universidade de Ulster (Irlanda do Norte), no Reino Unido, e um dos autores do estudo publicado agora, defende que este trabalho pode ajudar “a preencher importantes lacunas de informação sobre a perda de massa de gelo, levando a previsões mais precisas”. Estudos anteriores que analisavam glaciares individuais representam apenas cerca de 10% do planeta, acrescenta o investigador.

Os cientistas há muito que alertam para o facto de que a subida das temperaturas impulsionada pelas alterações climáticas estão “a comer” os glaciares e as placas de gelo em todo o mundo, contribuindo para níveis mais elevados do mar que ameaçam as cidades costeiras em vários países. Os últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas projectam que o nível do mar subirá mais de um metro até 2100.

Alguns glaciares no Alasca, Islândia, Alpes, montanhas de Pamir e Himalaias foram dos mais afectados pelo degelo, concluíram os investigadores. Os glaciares com comunidades situadas à volta constituem uma importante fonte de água e o seu declínio pode levar a graves carências alimentares e de água. “Estas áreas estão a assistir a um ritmo rápido de derretimento dos glaciares que pode ser bastante preocupante”, disse Robert McNabb. “O aumento do degelo, na realidade, aumenta a disponibilidade de água nestes rios... mas o problema é que, após um período de tempo, deixa de aumentar e depois diminui bastante rapidamente”, avisa o cientista.

Embora o estudo não tenha analisado em pormenor as causas do recuo glacial, os cientistas sublinham que o aumento das temperaturas provocado pelas emissões de gases com efeito de estufa na Terra está inevitavelmente a conduzir a um degelo crescente. “É difícil separar o facto de que é a temperatura que está a causar o degelo e o facto de os seres humanos estarem, de uma maneira geral, a causar o aumento da temperatura”, constata Robert McNabb.

Os investigadores estimaram a mudança na elevação da superfície (a altura acima do nível do mar) dos 217.175 glaciares inventariados em todo o mundo (excepto os grandes lençóis de gelo), ao longo dos primeiros 20 anos do século. “Validaram as suas estimativas com medições independentes e de alta precisão disponíveis e calcularam a variação de volume e massa de cada glaciar”, refere o resumo da Nature sobre o artigo.

Uma vez derretido o gelo glacial, a reposição desta camada pode levar décadas ou séculos, porque tem de se acumular ano após ano num longo processo, referem os cientistas. O estudo reitera ainda que o mundo tem de baixar as temperaturas globais para abrandar a perda de gelo, diz Twila Moon, uma investigadora do Centro Nacional de Dados da Neve e do Gelo, dos EUA, que não esteve envolvida neste trabalho.

“Não tenho qualquer expectativa, com toda a honestidade, de que mesmo uma acção substancial para reduzir as nossas emissões e controlar o aumento da temperatura da Terra vá fazer crescer os nossos glaciares”, acrescenta Twila Moon. “Estamos num ponto em que apenas estamos a tentar manter o máximo de gelo possível e abrandar essa perda”, acrescentou.

Na verdade, os investigadores identificaram casos em que as taxas de degelo realmente abrandaram entre 2000 e 2019, tal como se terá verificado na costa oriental da Gronelândia. No entanto, atribuíram este travão a uma anomalia meteorológica que levou a maiores precipitações e a temperaturas mais baixas.

Robert McNabb resume que o quadro geral do estudo aponta para uma perda de massa de gelo “bastante rápida”, sem qualquer indicação de que possa mudar em breve, mas ainda há tempo para travar o derretimento, reduzindo as emissões. “Quando se vê algo como isto, em que os glaciares estão a perder massa, e isso está a acontecer cada vez mais depressa, soa muito mal”, desabafa o cientista. E conclui: “Mas ainda há algo que podemos fazer, precisamos de agir.”

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