Vi o Seaspiracy. E agora?

Procurem espécies pescadas na nossa costa, pelos nossos pescadores. Explorem receitas e deixem-se maravilhar pelos atributos do nosso peixe fresco. Afinal, não precisamos (tanto) de salmão, bacalhau ou pescada como pensamos.

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O mais recente documentário da Netflix sobre o impacto da pesca, Seaspiracy (2021, Ali Tabrizi) tem liderado as visualizações da plataforma em vários países e Portugal não foi excepção.

À semelhança do Cowspiracy, realizado há alguns anos por Kip Andersen, agora produtor no Seaspiracy, o documentário choca quem o assiste. Ora, se por um lado creio que faz um excelente trabalho em sensibilizar o público para a exploração dos recursos marinhos (até quem já deixara de comer carne, mas que ainda não tinha reflectido da mesma forma acerca do pescado, ou tinha até aumentado este último em detrimento de abandonarem a carne), por outro lado traz informações perturbantes que deixam qualquer pessoa a achar que não há solução menos drástica senão deixar totalmente de consumir.

Mas será que o documentário traduz a realidade portuguesa? E o que é que um consumidor nacional pode mudar?

Em Portugal, a pesca é uma actividade tradicional importante económica e socialmente para muitas comunidades costeiras. Contribui directa e indirectamente para o emprego e rendimento destas comunidades onde as oportunidades de trabalho são mais restritas. Existem, aproximadamente 160 portos de pesca em todo o país, nos quais são desembarcadas capturas de 3902 embarcações. Dessas embarcações, cerca de 90% têm um comprimento inferior a 12 metros, considerada pesca de pequena escala ou artesanal. Apesar de sermos um país pequeno do sul da Europa, consumimos muito peixe. E quando digo muito, é mesmo muito. Somos o maior consumidor per capita da Europa (56,8 kg/pessoa/ano) e o terceiro maior do mundo. Ora então, de onde vem este peixe todo? Sim, vem de outros países. Mas isto não é apenas por termos uma pesca artesanal. É, em grande parte, porque nós consumimos muito peixe que não é pescado nas nossas águas pelos nossos pescadores. Isto resulta em que a produção nacional alcance apenas parte do consumo e as importações representem cerca de dois terços do nosso abastecimento de peixe. Ficamos então com saldo negativo.

E o que é que nós mais consumimos? Aquelas espécies emblemáticas que a maior parte da população conhece e escolhe: bacalhau, salmão, atuns, pescada, carapau, sardinha e polvo. No entanto, capturamos e desembarcamos umas 200 espécies diferentes. Resumindo, consumimos muito pouco daquilo que o nosso mar nos dá e o que pescamos não nos chega, o que tem consequências ambientais (como a sobrepesca) e económicas (importação). Uma das consequências resultante desta incoerência entre o que é pescado e o que é consumido é a rejeição de pescado. Muitas das espécies capturadas não são procuradas, não tendo grande valor de mercado. Assim, os pescadores preferem devolver ao mar as espécies que sabem ter um valor muito baixo em lota do que ocupar espaço da sua pequena embarcação que poderia ser usado para espécies mais valiosas.

De uma perspectiva ecológica, a diversificação do consumo pode levar a uma distribuição do esforço de pesca, sendo um método viável para reduzir a pressão sobre espécies desejadas e frequentemente sobre-exploradas, à medida que estas forem sendo substituídas por espécies pouco consumidas. Isto é, um consumo mais sustentável é um consumo mais diversificado. Além da vantagem ecológica, também nos faria depender menos das importações.

Procurem espécies pescadas na nossa costa, pelos nossos pescadores. Explorem receitas e deixem-se maravilhar pelos atributos do nosso peixe fresco. Afinal, não precisamos (tanto) de salmão, bacalhau ou pescada como pensamos.

A sugestão é comer menos (quantidade) e comer mais (variedade).

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