Em Setembro, número de casos de covid-19 pode ser “residual” em Portugal, diz Henrique Barros

Infectados têm agora cinco vezes menos probabilidade de morrer do que no início da pandemia. Vacinação poupou internamentos, infecções e vidas, diz epidemiologista. As faixas etárias com mais susceptibilidade de morrerem com covid-19 estarão vacinadas até ao final de Maio.

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Henrique Barros André rodrigues/Arquivo

“Por Setembro, se tudo correr normalmente, esperamos não ter casos.” Com esta frase, dita na reunião que juntou esta terça-feira peritos e políticos no Infarmed, o presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Henrique Barros, sublinhou que a pandemia apresenta uma evolução favorável, muito graças à vacinação.

Mesmo com as variantes mais letais e potencialmente mais transmissíveis, é possível que em Setembro não haja um número relevante de casos de infecção pelo vírus que causa a covid-19 em Portugal, se se mantiverem as medidas em vigor e o plano de vacinação, defende o médico epidemiologista.

Contactado pelo PÚBLICO, Henrique Barros esclarece que aquela frase proferida no Infarmed não significa que o número de infecções seja zero, mas que é possível que “o número de casos seja residual” em Setembro. “Vai havendo um número residual de casos que vai circulando e alguns casos vão ocorrer sempre. É perfeitamente possível imaginar que por Setembro não haja casos - no sentido de não ser uma preocupação em cuidados de saúde”, afirmou.​

A força da vacinação

Na reunião que juntou políticos e peritos, Henrique Barros fez um balanço muito positivo da campanha de vacinação contra a covid-19, cujos efeitos já são visíveis. A vacinação previne a infecção e previne as mortes em quem é infectado e é, por isso, “fundamental continuá-la”.

Alguém que fique infectado com o coronavírus SARS-CoV-2 em Abril deste ano tem uma probabilidade cinco vezes inferior de morrer do que alguém que ficasse infectado nos primeiros meses de pandemia, referiu o perito.

Olhando para a “probabilidade de morrer”, o epidemiologista afirmou que, nos dois primeiros meses da pandemia, a probabilidade de morrer ao fim de um mês era superior a 4% – agora, essa probabilidade parece ser de 0,5%, o que é “extraordinário”.

Houve uma variação “brutal”, descreve Henrique Barros. “Ao início, havia um efeito que deformava este cálculo porque se testava pouco e os casos identificados eram os mais graves”, mas há também aprendizagem na capacidade de responder à doença.

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Aumentar

“Sem vacina, podíamos imaginar um retorno de um pico de infecção semelhante ao que aconteceu há alguns meses”, disse o perito. A vacinação poupou internamentos, infecções, vidas e sofrimento, concluiu.

Em Janeiro e Fevereiro deste ano, a letalidade por covid-19 aumentou, mas a probabilidade de morrer em 2021 com covid-19 é inferior aos valores registados em 2020. “A idade é um factor que modifica tudo isto”, admite, mas “a estratégia vacinal vai implicar uma diminuição muito grande das mortes, uma diminuição muito grande dos internamentos – sobretudo em unidades de cuidados intensivos”. A probabilidade de morrer continua com as mesmas características: ocorre mais no sexo masculino, tem uma variabilidade regional e há até uma desvantagem naqueles que não têm nacionalidade portuguesa.

Nos casos em que a vacinação não impediu a infecção, evitou a forma grave da doença e a morte de uma “forma extraordinária”, afiançou ainda o epidemiologista.

Variante britânica será mais letal

Quanto ao risco de morrer associado às diferentes variantes do coronavírus SARS-CoV-2, a amostra é agora maior do que nas primeiras análises. As pessoas infectadas com a variante britânica “parecem ter um aumento significativo da probabilidade de morrer”, isto com os dados já ajustados para o sexo, idade, nacionalidade e região. “Ser infectado com esta variante [detectada no Reino Unido] aumenta o risco de morrer”, num valor muito semelhante à estirpe que veio inicialmente de Espanha para Portugal.

Para as outras variantes pode haver um aumento deste risco, mas os números “não são suficientes” para garantir que se trata de um número real do ponto de vista estatístico, explicou o especialista. A variante detectada na África do Sul – ainda com poucas amostras no país – parece “claramente aumentar” o risco de infecção. Ainda não foi associado nenhum caso da variante de Manaus a casos de morte em Portugal; já a outra variante brasileira tem alguns casos de mortalidade, mas os números são muito reduzidos. Há a “necessidade de uma vigilância epidemiológica muito organizada” para pensar e decidir, conclui o especialista em Saúde Pública.

Pessoas mais velhas são as que mais querem ser vacinadas

Cerca de 90% das pessoas dizem querer ser vacinadas, disse o presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, citando dados do projecto Diários de Uma Pandemia. “A percentagem das pessoas que querem ser vacinadas é mais alta nas faixas etárias mais avançadas” e é mais baixa na faixa dos 40 anos – e é um “desafio” tentar perceber porquê, diz o especialista.

“É importante notar esta relação clara com a natureza dos rendimentos: as pessoas com rendimentos confortáveis, com maior educação, tendem a ser aquelas que mais pretendem ser vacinadas”, afirma. “É preciso ganhar estas pessoas para a vacinação e contrariar a eventual relutância em relação à vacina.”

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Vice-almirante Gouveia e Melo José Sena Goulão/Lusa

Faixas etárias com mais probabilidade de morte por covid-19 estarão vacinadas até 23 de Maio

As faixas etárias com mais susceptibilidade de morrerem com covid-19 estarão vacinadas até ao final de Maio, afirmou o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, responsável pelo plano de vacinação contra a covid-19 em Portugal.

“No dia 23 de Maio, o que é expectável é termos todo o grupo dos 60 anos para cima coberto. Em termos estatísticos, estamos a cobrir uma faixa etária da população que contribuiu com 96,04% dos óbitos por covid-19”, disse. “Esta é uma marca muito importante” e acontecerá numa altura em que já se registará um “valor significativo” de pessoas vacinadas na faixa etária seguinte.

“Estamos a progredir fortemente na [vacinação da] faixa etária dos 70 aos 79 anos. A faixa dos 80 anos já está totalmente vacinada, com pequenas excepções”, afirmou o militar. “Em princípio, no fim desta semana, teremos atingido praticamente os 100% desta faixa etária” dos 70 anos, disse, explicando que não se deverá atingir os 100% por existirem pessoas que ficaram infectadas com o vírus SARS-CoV-2 e que não serão vacinadas.

Até ao início de Agosto, ou entre Agosto e Setembro, haverá “70% da população vacinada”, o que equivale a ter o grupo de pessoas com mais de 30 anos totalmente vacinado. “Mudámos o nosso plano: passámos de uma fase de escassez para uma fase de abundância” em que importa gerir a fluidez e o ritmo do processo. A existência de doenças entra para este processo de vacinação, mas “o factor essencial é a vacinação por grupos etários”, dos mais velhos para os mais novos, referiu ainda Henrique Gouveia e Melo.

Nesta terça-feira (ou, no limite, na quarta-feira) deverá ser atingido o marco dos três milhões de doses de vacinas administradas em Portugal continental; se se contar a Madeira e os Açores, este marco já foi ultrapassado. “É uma boa marca”, afirma o vice-almirante. 

No final desta semana, ter-se-á mais de 22% da população com uma primeira dose da vacina, que já garante uma “protecção bastante acentuada”. A disponibilidade de entregas mensais de vacinas tem aumentado. Gouveia e Melo diz que no segundo trimestre houve uma “ligeira evolução positiva” do número de vacinas disponíveis: 9,2 milhões de vacinas, mas o limite de idade de dois tipos de vacinas (para evitar efeitos secundários da vacinação) pode condicionar a utilização de até meio milhão de vacinas.

No terceiro trimestre, as duas vacinas com limitações de idades (Janssen e AstraZeneca) podem retirar ao plano 2,7 milhões de doses de vacinas. A meta dos 70% de protecção pode ser atrasada por este motivo, admitiu. 

Notícia actualizada às 14h14 de 27 de Abril: o PÚBLICO Henrique Barros acerca da sua declaração no Infarmed (“Por Setembro, se tudo correr normalmente, esperamos não ter casos”). O médico esclareceu que não se trata de haver zero casos, mas sim um número residual de infecções que não se traduza num aumento do número de mortes e internamentos.

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