“Negligência” das autoridades face à agricultura intensiva no litoral alentejano justifica queixa à Comissão Europeia

O movimento de cidadãos Juntos pelo Sudoeste acusa o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas de permitir “passivamente” a degradação da paisagem, dos recursos naturais e do tecido social.

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Nuno Ferreira Santos

Uma queixa apresentada nesta quinta-feira, Dia da Terra pelo movimento de cidadãos Juntos pelo Sudoeste (JPS) à Comissão Europeia pretende, acima de tudo, denunciar a “hipocrisia e/ou desleixo total dos vários governos quando literalmente abandonam uma das últimas costas selvagens da Europa com valores naturais sensíveis, alguns deles únicos no mundo”. No documento, acusam de “negligência” do Estado Português, a qual resultou no “caos” que se vive no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV).

Neste território que se estende por uma faixa litoral com 110 quilómetros de extensão, com uma área de 90.000 hectares encontra-se o Perímetro de Rega do Mira (PRM), “onde a agricultura intensiva, debaixo de plástico ou não, tem avançado de forma absolutamente descontrolada, esgotando a já depauperada reserva” da Barragem de Santa Clara, que abastece toda a região. Apesar da intensa precipitação atmosférica ao longo do primeiro trimestre deste ano, o volume de água está nos cerca de 50% do nível de pleno enchimento.

O consumo de água é elevado porque a instalação de explorações agrícolas “não carece de licenciamento”, refere o JPS. Apenas é requerido um parecer do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) - que tutela as áreas protegidas – “quando implica o acesso a fundos europeus”. Este organismo, sublinha o movimento de cidadãos, assiste “passivamente” a degradação da paisagem, dos recursos naturais e do tecido social.

As suas críticas são extensivas às autoridades portuguesas, acusadas de “violação de legislação comunitária” ao não imporem avaliações de impacto ambiental às explorações agrícolas que queiram estabelecer-se no PNSACV, área classificada como Rede Natura 2000 - Zona Especial de Conservação (ZEC). E denunciam o “incumprimento do direito comunitário pela total ausência de fiscalização” da actividade agrícola praticada neste Parque Natural.

Entre, pelo menos, os anos de 2011 e 2015, “não existiu qualquer tipo de fiscalização” sobre a actividade agrícola a acontecer no PNSACV, dizem. E, neste momento, “nenhuma das entidades públicas com supervisão sobre o PNSACV sabe que fertilizantes e produtos fitofarmacêuticos são usados e em que quantidade, desconhecendo por isso os impactos potenciais no meio ambiente e em particular nas espécies protegidas desta ZEC”, garante o JPS.

O movimento refere que este modelo de agricultura intensiva está suportado, na sua maioria, em “empresas multinacionais (ou até fundos de investimento que nada têm que ver com agricultura), que facturam centenas de milhões de euros por ano”, recorrendo à importação massiva de mão-de-obra.

Face à escala das explorações e às características do território, prossegue o JPS, “é fácil concluir que imensas pessoas vivem em condições sanitárias deficientes, que as empresas prosperam imputando a responsabilidade social para as autarquias, exportando produtos não essenciais para os mercados do norte da Europa.” As culturas intensivas praticadas em território de paisagem protegida, têm “consumido recursos naturais que são de todos nós, nomeadamente a água, que vem escasseando seriamente desde 2013, e arrasando habitats naturais”, realça aquela organização.

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