A Europa Central e de Leste está a aderir ao mito da superioridade militar russa – e isso está a torná-la vulnerável

Uma grande sondagem, divulgada na semana passada pela Globsec, revelou que muitas destas sociedades estão agora mais inclinadas a aceitar narrativas pró-russas e a ver aliados tradicionais, como a NATO, como agressores na região.

Trinta anos após o colapso da União Soviética e o nascimento da liberdade democrática na Europa Central e de Leste, o espectro de um vizinho agressivo, a Rússia, paira novamente em grande parte da região.

A recente concentração de unidades do exército russo perto da fronteira ucraniana, bem como a transferência de equipamento militar russo para as fronteiras de Estados-membros da União Europeia, Estónia e Letónia, resultaram numa forte condenação por parte da comunidade internacional – com os EUA, Reino Unido, França, Alemanha e NATO a expressarem o seu apoio à integridade territorial dos Estados afectados.

Porém, seria um grande erro assumir que uma demonstração pública de força pelas potências ocidentais é suficiente para persuadir os povos da Europa Central e Oriental, região outrora dominada por um domínio comunista, da sua superioridade militar sobre a Rússia. Uma grande sondagem, divulgada na semana passada pela Globsec, revelou que os cidadãos destes países vizinhos são mais propensos a ver a Rússia como a principal potência militar do mundo, bem como uma vítima das ardilosas manobras ocidentais.

Estas descobertas extraordinárias resultam de uma mudança na estratégia do Kremlin. O aumento do contingente militar de Moscovo é acompanhado por um prisma completamente diferente da comunicação social financiada pelo Estado russo e pelos seus representantes locais na região. A narrativa oficial do Kremlin conta que a Rússia procura proteger-se a si própria e aos enclaves russófonos da região, incluindo as regiões separatistas não reconhecidas da República Popular de Donetsk e da República Popular de Luhansk, que, alega, enfrentam um ataque iminente das forças rebeldes apoiadas pelos EUA e pela NATO.

A Ucrânia Oriental é paradigma do conflito do século XXI e das formas como o curso da guerra mudou drasticamente. A abordagem da guerra híbrida, que se tornou a nova norma, vê a utilização de forças convencionais como um passo final precedido por campanhas de informação, ciber-ataques, ameaças militares, medidas económicas e apoio a forças irregulares.

O domínio da informação torna-se o primeiro campo de batalha e uma componente crucialmente importante da projecção de força contra este pano de fundo. A Rússia, impulsionada pelas suas décadas de experiência na prossecução de “medidas activas”, tem-se focado sobretudo no desenvolvimento das suas capacidades para moldar narrativas e exercer influência na infosfera.

A sondagem da Globsec, assim como o relatório que a acompanha, revela o incrível sucesso desta estratégia, apesar da história sombria da Rússia em relação aos países que agora fazem parte da Europa Central e dos Balcãs Ocidentais. Por um lado, a sondagem revelou que muitas destas sociedades estão agora mais inclinadas a aceitar narrativas pró-russas e a ver aliados tradicionais, como a NATO, como agressores na região. Mostra também que, apesar das recentes actividades da Rússia – incluindo a guarnição de 110 mil soldados na fronteira ucraniana e a expulsão de uma série de diplomatas internacionais de Moscovo –, apenas 25% dos inquiridos se sentem “ameaçados” pela sua antiga ocupante. A recente revelação de que os mesmos operacionais russos do Departamento Central de Inteligência da Rússia (GRU) que estiveram envolvidos no ataque com Novichok em Salisbury também estiveram envolvidos na explosão de um depósito de armas na República Checa é elucidativa das actividades nefastas da Rússia no interior dos países que anteriormente ocupava, bem como da atitude em relação aos mesmos.

A um nível mais detalhado, a sondagem revelou que em países como a Sérvia, a Bulgária e a Eslováquia continua a haver um favoritismo perante a Rússia e, por sua vez, uma vontade de aceitar as narrativas russas sobre temas históricos e contemporâneos. Ao mesmo tempo, noutros países, como a Polónia ou a Roménia, continua a haver uma resistência a estas estratégias, com memórias históricas e dinâmicas geopolíticas a moldar as atitudes do público.

O que mais impressiona, contudo, é a dicotomia em alguns países entre as atitudes públicas e a política governamental. A Hungria é um claro exemplo deste abismo, com o governo a seguir uma abordagem cooperativa e acomodatícia em relação à Rússia, apesar de a população ser largamente resistente a Moscovo. Os dados aqui recolhidos também revelam que as percepções da influência e do poder económico russo são amplamente sobrestimadas pela sociedade húngara – com uma maioria de húngaros a olhar para a NATO numa perspectiva favorável, e a ver a Rússia como uma força sobrestimada na região. Já na Bulgária é visível um quadro inverso, com o público a expressar atitudes favoráveis em relação à Rússia, ao mesmo tempo que há relações políticas glaciais marcadas pela recente expulsão de diplomatas russos do país.

O Political Capital Institute, em Budapeste, classificou este fenómeno, revelado em sondagens anteriores, como a “Mistificação” da Rússia.

Tendo em conta que os EUA gastam dez vezes mais do que a Rússia em forças armadas, é notável verificar que sete dos nove países inquiridos na Europa Central e de Leste vêem a Rússia, e não os EUA, como a principal potência militar do mundo.

Esta é uma posição que joga a favor de Moscovo e dos seus objectivos de política externa, uma vez que procura capitalizar a ideia de uma aliança ocidental fracturada, propondo parcerias militares alternativas para aqueles que se encontram na região. Ao mesmo tempo, também se torna mais difícil aos líderes políticos fazer frente a Moscovo se as suas populações acreditarem que organizações como a NATO estão condenadas ao fracasso.

Esta mistificação do poder russo é um trunfo valioso que pode ser jogado pelo Kremlin. As percepções são importantes para influenciar tanto o público como as elites políticas, sublinhando a necessidade de levar a ameaça a sério. Os EUA e o Ocidente são vistos como fracos por muitos na região e, se este problema não for abordado adequadamente, corre-se o risco de se tornar uma profecia em vias de se cumprir.

Péter Krekó, Director do Political Capital Institute, em Budapeste, e investigador principal no Center for European Policy Analysis (CEPA)
Daniel Milo, Assessor principal na Globsec

Tradução de Nelson Filipe

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