Tribunal Constitucional alemão abre caminho ao fundo de recuperação europeu

Juízes de Karlsruhe recusam providência cautelar contra ratificação da decisão de recursos próprios e abrem caminho à promulgação da lei. Ultrapassado mais um obstáculo para a constituição do fundo de recuperação da crise.

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O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha rejeitou esta quarta-feira a providência cautelar interposta por um grupo de cidadãos contra a ratificação da decisão de novos recursos próprios da União Europeia, abrindo assim caminho à promulgação da lei aprovada por uma larga maioria de 75% no Bundestag.

Com esta decisão, por unanimidade, ultrapassa-se mais um obstáculo à constituição do fundo de recuperação Próxima Geração UE, de 750 mil milhões de euros, para apoiar o relançamento e transformação da economia europeia no rescaldo da crise provocada pela pandemia de coronavírus.

Quando o Presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, assinar a legislação, aumentará para 18 o número de Estados-membros da União Europeia que já concluíram este procedimento constitucional, que terá de ser cumprido pelos 27 para que o executivo comunitário possa recorrer aos mercados financeiros para o financiamento do fundo de recuperação. Recorde-se que é a margem virtual dos novos recursos próprios do orçamento da UE que serve de garantia para a operação de emissão de dívida da Comissão Europeia.

É precisamente essa operação que está na origem do processo interposto no Tribunal Constitucional Federal por um colectivo de cidadãos que integram uma autodenominada Aliança da Vontade Popular, apoiada pelo partido de extrema-direita AfD.

Os queixosos alegam que, ao avançar com uma emissão de dívida conjunta, a União Europeia está a violar os seus próprios tratados, que fixam a obrigação de um orçamento neutro, isto é, cujo resultado entre receitas e despesas seja zero.

Além disso, alegam que a emissão de dívida conjunta põe em causa os poderes orçamentais do Bundestag, violando assim a Constituição da Alemanha. O seu argumento é que, ao subscrever os empréstimos europeus, o país estará a assumir responsabilidades financeiras que são imprevisíveis e inquantificáveis.

Os juízes de Karlsruhe consideraram que a queixa era fundamentada e admissível, pelo que não rejeitaram o processo. Vão, por isso, pronunciar-se sobre a acção principal — o que pode demorar bastante tempo.

Mas, entretanto, fizeram cair o pedido de providência cautelar contra a ratificação da decisão de novos recursos próprios da UE. Depois de uma primeira análise, o colectivo entendeu que a decisão de criar novas fontes de receita para os cofres comunitários não só não infringe a autonomia e os poderes orçamentais do Bundestag, como não expõe o país ao pagamento da dívida contraída em nome da União Europeia.

O tribunal pesou as consequências da não ratificação da decisão de recursos próprios pela Alemanha e concluiu que a validação da providência cautelar punha em causa — talvez irreversivelmente — a constituição do fundo europeu para a recuperação da crise.

Esse foi o principal argumento do Governo alemão perante o tribunal: se a UE tivesse de ficar à espera do desenrolar do processo judicial, ficaria impedida de dar a resposta adequada à emergência económica e social. Para Berlim, a inacção teria elevadíssimos custos políticos na coesão entre os Estados-membros da UE e na sua afirmação a nível global, num contexto de extrema concorrência internacional.

Os analistas políticos e jurídicos alemães interpretaram esta primeira avaliação dos juízes de Karlsruhe como o prenúncio de uma decisão favorável no futuro. Apontam para isso o facto de o tribunal ter considerado que o programa de endividamento europeu não terá um impacto significativo na política orçamental nacional e de ter explicitamente deferido ao Tribunal de Justiça da UE a responsabilidade de avaliar o respeito pelos tratados.

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