Como a nutrição pode atenuar as dores musculares?

É mais do que sabido que uma boa ingestão de proteína é fundamental na reconstrução e reparação do dano muscular, mas não tem um efeito muito visível no que diz respeito à dor propriamente dita.

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Para além dos praticantes recreativos, também alguns atletas federados de diferentes modalidades enfrentam nesta fase progressiva de desconfinamento um regresso aos treinos e jogos/provas Nuno Ferreira Santos

Se é daquelas pessoas que esteve 3 meses parada e voltou recentemente aos treinos no ginásio/estúdio/box e se sente completamente “empenada”, então este artigo é para si!

É perfeitamente normal que após tanto tempo parado ou com um volume de treino mais reduzido, esta retoma da rotina de treinos o tenha tornado num pequeno “Robocop” na locomoção devido às dores musculares. Para além dos praticantes recreativos, também alguns atletas federados de diferentes modalidades enfrentam nesta fase progressiva de desconfinamento um regresso aos treinos e jogos/provas, eventualmente exacerbado de modo a acertar os calendários competitivos. Sendo certo que a prevenção é sempre o princípio base (e como tal não convém retomar os treinos “à campeão”, como se tivesse treinado normalmente nos últimos 3 meses), e que o tempo será sempre o principal responsável pela diminuição gradual dessas dores, existem algumas ajudas ao nível da alimentação e suplementação para que se possa atenuar a inflamação excessiva causadora destas dores.

Começando pelos alimentos, é mais do que sabido que uma boa ingestão de proteína (carne, peixe, ovos, lacticínios, leguminosas e suplementos proteicos) é fundamental na reconstrução e reparação do dano muscular, mas não tem um efeito muito visível no que diz respeito à dor propriamente dita. Apesar de ser algo que não nos é muito familiar, quer o sumo concentrado de beterraba (125-500ml/dia), quer o sumo de romã (500-1250ml ou 60-120ml/dia na versão concentrada) são também alternativas interessantes devido ao seu teor em polifenóis que conseguem atenuar a resposta inflamatória e melhorar a resposta antioxidante ao exercício. Uma alimentação recheada de outros nutrientes (vitamina C, E, carotenos) e fitoquímicos com potencial antioxidante/anti-inflamatório como citrinos, frutos vermelhos, couves, cenoura, pimentos, espinafres, batata-doce, abóbora, oleaginosas será sempre uma base diária a privilegiar. Suplementar vitamina C com mega doses (1 a 3g/dia), até pode ter um efeito agudo positivo na resposta inflamatória e stress oxidativo, mas sem grande efeito na diminuição da dor muscular e nunca deverá ser feito de forma crónica.

Quanto a suplementos, existem 3 que se destacam dos demais quanto aos seus efeitos na diminuição da dor muscular: os já conhecidos ácidos gordos ómega 3 derivados do peixe são uma das principais armas na modulação da resposta inflamatória, sendo que o seu efeito é observado em quantidades maiores do que as que normalmente são suplementadas (1,8-3g EPA+DHA/dia). Também a creatina, mais conhecida pelo seu efeito na melhoria da performance e massa muscular, pode dar uma ajuda positiva na recuperação da força e função muscular, para além de ser uma ótima aliada para os atletas “a sério” com múltiplos eventos competitivos no mesmo fim de semana ou com calendários congestionados, pois consegue melhorar a recuperação de glicogénio muscular, ou trocando por miúdos, voltar a “encher o depósito de combustível” (sobretudo quando se faz a típica fase de carga com 20g/dia).

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É perfeitamente normal que após tanto tempo parado ou com um volume de treino mais reduzido, esta retoma da rotina de treinos o tenha tornado num pequeno “Robocop” na locomoção devido às dores musculares Paulo Pimenta

O mais recente destes suplementos é o tart cherry (cereja azeda), que tem a particularidade de ter uma capacidade antioxidante maior do que outros frutos vermelhos, derivado do seu elevado teor de antocianinas e flavonóides. Existe evidência crescente do seu efeito modesto mas positivo na redução da dor muscular e marcadores de dano muscular bem como da recuperação da força, potência, sprint e salto (480mg/dia durante dez dias na sua versão em pó ou 2x30ml sumo concentrado durante oito dias).

Para além destes suplementos, também a manutenção de valores saudáveis de vitamina D em circulação (30-50nmol/L) são uma segurança extra no processo de recuperação muscular, podendo ser necessária a suplementação (2000-4000 UI/dia) caso a exposição solar seja muito reduzida.

Numa segunda linha de prioridades estão suplementos como a curcumina (5g/dia associada a piperina) mas a evidência é ainda de fraca qualidade. Também a L-Carnitina, muitas vezes publicitada para emagrecer (sem grande evidência de eficácia), pode ter a sua real aplicação na redução do dano muscular, uma vez que tem capacidade antioxidante e pode reduzir a peroxidação lipídica e aumentar a integridade da membrana celular da célula muscular. À semelhança de muitos outros suplementos, este também tem mais efeito em participantes recreativos do que em aletas profissionais. Ainda assim, cerca de 2-3g/dia de L-Carnitina pode dar uma ténue ajuda neste processo. Para finalizar também o colagénio (10-20g/dia) pode ser útil na recuperação muscular, pois apesar de não ter um grande efeito na inflamação pode ter um papel importante ao nível estrutural e funcional do músculo e outros tecidos como tendões e ligamentos permitindo uma recuperação mais rápida.

Uma alimentação variada rica nos alimentos atrás citados, com uma boa ingestão de proteína e eventualmente suplementada pelos “big-three” creatina, ómega 3 e vitamina D, podem ser uma boa base para grande parte das pessoas. Muitos dos outros suplementos eventualmente apenas farão sentido nos atletas de elite, tendo sempre em conta que o doseamento da carga do treino será sempre o principal factor a ter em conta nessas dores musculares. Um plano de treino ou personal trainer que o faça sistematicamente ficar com dores musculares excessivas, poderá estar mais preocupado em “parecer do que ser”.

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