Estudo detecta células que causam leucemia antes de a doença se manifestar

Trabalho do Instituto Gulbenkian de Ciência trouxe avanços na compreensão da biologia por trás das leucemias.

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Linfócito T DR

Um estudo do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) identificou um grupo de células que está na origem do desenvolvimento de um tipo de leucemia rara e agressiva, detectável muito antes de a doença se manifestar.

O resultado da investigação sobre o processo de diferenciação dos linfócitos T, que durou quase cinco anos, foi divulgado esta quarta-feira e vai dar origem a um novo estudo, com o objectivo de encontrar respostas para o comportamento dessas células e, “percebendo a biologia que está por trás destas leucemias”, utilizar esse conhecimento para permitir “novas terapêuticas”, explicou a investigadora principal, Vera Martins, em declarações à agência Lusa.

Os cientistas procuraram perceber como é que uma célula “que está num processo em que deveria estar a gerar células normais, e que vão funcionar como protectores do nosso organismo, ao longo do processo de desenvolvimento decide ir para um caminho alternativo, que neste caso é a leucemia, esta em particular muito agressiva, por ser aguda”, salientou Vera Martins.

A investigadora principal pormenorizou terem conseguido encontrar células “muito imaturas que são capazes de se auto-renovar, em vez de serem substituídas constantemente, que é o processo normal na base do desenvolvimento dos linfócitos T”.

Vera Martins destacou essa capacidade de ficarem muito tempo a fazerem essa auto-renovação como uma característica “muito particular deste grupo de células, que não é normal” e que estará na base “da acumulação de erros”, que “mais tarde dão origem a leucemias”.

“Aquilo que detectámos é que estas células são as que estão na base do aparecimento das células progenitoras das leucemias”, enfatizou a cientista do IGC. “Vimos uma emergência de células anormais que estarão na base e na origem da leucemia, muito antes de ela se manifestar”, acrescentou.

Segundo a investigadora, os testes feitos em ratos, porque não pode fazer-se directamente nos humanos e a doença se desenvolve de forma semelhante nestes animais, demonstraram que essas “células raras” foram detectadas quando o animal tinha “uma fisiologia perfeitamente normal”.

Vera Martins referiu que os resultados geraram novas perguntas às quais se vai tentar obter resposta, nomeadamente “o que é que se vai acumulando ao longo do tempo até a leucemia emergir” e as razões para estas células “passarem despercebidas e não serem eliminadas pelo próprio organismo”.

“Se conseguirmos identificar as causas em termos de biologia que estão por trás destas leucemias, conseguimos trabalhar ou ver utilizado esse conhecimento para desenvolver terapias mais específicas, que não causem tantos danos a quem desenvolve a doença”, vaticinou a cientista, segundo a qual esta patologia em particular afecta sobretudo crianças, sujeitas a tratamentos agressivos de que resultam sequelas para a vida.

Por outro lado, alertou, há pessoas que “não respondem à terapia neste tipo particular de leucemias”, além de, ao contrário do que acontecia no passado, em que eram desenvolvidas formas de “matar a doença no caso dos cancros, já se percebeu que atingimos o limite de tolerância” que os pacientes conseguem aguentar na radioterapia.

A investigadora pormenorizou ainda que o próximo passo da equipa “é a identificação do processo biológico, quais são as moléculas envolvidas no processo de leucemia em si”. “Depois será esse conhecimento que poderá ser utilizado por outras equipas, de outras valências, que estarão na base do desenvolvimento de novas terapêuticas”, especificou Vera Martins.

A cientista considerou que os resultados agora apurados são “um processo importante” e podem “abrir caminhos”, embora tenha ressalvado que na ciência, “entre a descoberta fundamental e a capacidade de a traduzir em aplicações práticas, geralmente passa imenso tempo, em particular nestas doenças, que são raras”.

Vera Martins disse que “desde os anos 80 estas leucemias agudas não têm grande desenvolvimento no que toca a terapia” e sublinhou serem este tipo de abordagens específicas que produz conhecimento que pode ser utilizado “como arma para combater a doença”. “Estamos a perceber a que origina e, ao percebermos a que origina, também percebemos o que é que estas células precisam para se manterem”, indicou.

Publicado na revista Cell Reports, o estudo permitiu constatar um fenómeno oposto à noção de que uma leucemia aguda se desenvolve muito depressa, as células proliferam imenso, expandem-se sempre no organismo rapidamente e “à ideia de que uma vez iniciada, tudo se desenvolve muito depressa”, aclarou a investigadora principal.

Vera Martins manifestou ainda a importância da tecnologia na identificação das células raras, através de uma técnica de sequenciação do ARN-mensageiro que está dentro dessas células. Sem esse equipamento “não se conseguiria ter visto o grupo de células anormais, porque são tão pequenas que ficariam mascaradas”.

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