Novo aeroporto de Lisboa: imagine all the people

Um aeroporto não pode ser considerado como um exclusivo inalianável de uma só região e este projeto histórico de 50 anos carece ser atualizado à realidade do século XXI.

Imaginemos, por um momento, que Portugal Continental não tem nenhum aeroporto. Imaginemos que se decide dotar o território de um único aeroporto central, próximo de Lisboa e que serve todo o país, pensado para 100 milhões de passageiros/ano e totalmente integrado numa rede TGV que rapidamente coneta os passageiros com todas as cidades e regiões.

Imaginemos agora que antes deste projeto avançar, o Porto invoca o seu tecido industrial, o seu potencial turístico e a dimensão da sua população para reinvindicar uma alteração desse mega-projeto: em vez de servir todo o país, esse tal aeroporto central deveria servir apenas o Centro e Sul. O Porto seria dotado de um aeroporto para o Norte e Galiza com capacidade para 30 milhões de passageiros. O mega-projeto seria então ajustado e passaria a acolher apenas 70 milhões de passageiros e, como deixaria de servir o Norte, a sua localização ficaria a Sul do Tejo, próximo de Lisboa. Antes de se iniciar a construção, o Algarve argumenta que sem um aeroporto em Faro os turistas europeus preferirão passar férias em Espanha do que aterrar na margem Sul e apanhar um TGV para chegar às praias do Sotavento e do Barlavento. Conclui-se, neste cenário hipotético, que Faro terá um aeroporto para 20 milhões de passageiros e que o tal mega-projeto de um aeroporto central nacional será ainda mais reduzido (apenas para 50 milhões) para servir sobretudo Lisboa e outras regiões do país não cobertas pelos aeroportos de Porto e Faro.

Este cenário tri-aeroportuário é o que temos hoje no Continente. Isto permite que cada região próxima do seu aeroporto desenvolva o negócio aéreo que mais faz sentido para si – seja em termos de turismo e das comunidades, seja em termos de negócios e de lazer das suas populações. Um único aeroporto central, tendencialmente mais próximo da capital, é uma opção nalguns países mais pequenos ou mais rapidamente conetados que impacta negativamente no desenvolvimento de regiões periféricas.

No âmbito das discussões sobre o novo aeroporto de Lisboa, a alternativa que estamos a ouvir é a seguinte: outras regiões do país também querem e podem, com menor custo e investimento, ter acesso a uma parte dos privilégios e benefícios proporcionados pela existência de um aeroporto feito à sua medida e necessidades. Ou alguém duvida que o Porto nunca poderia ter desenvolvido o seu turismo europeu de “city-break” sem um aeroporto? Ou que o Algarve nunca se teria tornado líder do turismo português sem a sua porta de acesso aéreo exclusiva em Faro? Existem outros “Portos” e “Algarves” por esse país fora, precisamos de lhes dar o mesmo tipo de oportunidade para se desenvolverem.

Lisboa, por si só, já atrai tudo e todos, aglutina, asfixia, absorve, concentra e afunila. O que se pretende é que este aeroporto de Lisboa que temos hoje sirva cada vez mais e, sobretudo, a sua região. E que outras regiões, agora mais amadurecidas e desenvolvidas do que há 50 anos atrás, possam seguir o seu percurso natural sem a sombra constante e cerceadora da capital. Um mega-aeroporto ou um segundo aeroporto, mais ou menos distante de Lisboa, impossibilitará e atrasará esta partilha equilibrada do desenvolvimento e é totalmente desenquadrado das previsões perenes do tipo de tráfego pós-pandemia.

Desengane-se quem pensa (ou quem usa este argumento para manipular opiniões) que, ao falarmos em desenvolver o aeroporto de Monte Real para a zona Centro ou que ao aproveitarmos o já existente aeroporto de Beja para o Alentejo, a intenção subjacente é a de obrigar quem mora no Marquês de Pombal ou na Amadora a deslocar-se até esses aeroportos para apanhar um avião. O que se pretende é que pessoas com origem ou destino na zona Centro e Alentejo (hoje usuárias do aeroporto de Lisboa por não terem outra alternativa) voem a partir de estruturas aeroportuárias mais próximas. Para exemplificar: com um aeroporto em Monte Real ficará mais fácil e apelativo acolher grupos de peregrinos estrangeiros de fim-de-semana cujo único propósito é assistir à missa de um determinado domingo em Fátima; ou teremos os estudantes madeirenses em Évora e Beja capazes de se deslocarem mais facilmente a casa para uma viagem de 3 ou 4 dias.

Quem é de Lisboa continuará a poder usufruir tranquilamente do seu aeroporto – uma infra-estrutura que merece melhorias – com mais espaço para crescer: o fim irreversível do “hub” da TAP (seja porque a companhia ficará mais pequena ou porque falirá) e a melhor distribuição dos passageiros em voos diretos dos aeroportos de cada região assim o permitirá e encorajará um crescimento sustentável e direcionado para Lisboa, para além de expandir os benefícios da existência de um aeroporto para outras regiões. Um aeroporto não pode ser considerado como um exclusivo inalianável de uma só região e este projeto histórico de 50 anos, que talvez tivesse feito sentido no estado país que tínhamos em 1970 ou 1980, carece ser atualizado à realidade do século XXI...o que seria do país se tivesse apenas três auto-estradas ou três vias férreas, uma no Porto, outra em Lisboa e outra no Algarve? Concordemos que com os aeroportos não será diferente. 

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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