DGS recomenda vacina da AstraZeneca apenas para maiores de 60 anos — vacinação dos profissionais da educação adiada uma semana

Vacinação dos professores, que estava agendada para este fim-de-semana, é adiada uma semana. Responsável pela task-force diz que medida terá pouco impacto no processo de vacinação em Portugal.

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Reuters/AMANDA PEROBELLI

Foi pelo “princípio da precaução” que as autoridades portuguesas decidiram recomendar, a partir de agora, a administração da vacina da AstraZeneca apenas em pessoas acima dos 60 anos, suspendendo assim a imunização da população mais jovem com esta vacina. 

“Decidimos administrar a vacina acima dos 60 anos, que é faixa etária que, tendo maior risco doença, tem menor ou risco nenhum de ter estas doenças trombóticas. É uma questão de o risco ser menor em certos grupos etários”, disse a directora-geral da saúde, Graça Freitas.

A mesma decisão foi tomada nos últimos dias por mais de uma dezena de países depois de a Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) ter admitido que existe uma ligação entre esta vacina e casos raros de tromboembolismo associado a baixa acentuada de plaquetas.

Quando anunciou que havia uma ligação entre as reacções raras e a vacina, a EMA sublinhou, ainda assim, que os benefícios superam os riscos, mas passou a responsabilidade da decisão sobre o que fazer com a vacina da AstraZeneca para os governos, mas esta quarta-feira, em reunião, os ministros da saúde não conseguiram tomar uma decisão unânime.

Quem recebeu a primeira dose deve ficar “tranquilo” e estar atento a sintomas

A directora-geral da Saúde afirmou que as pessoas que já foram vacinadas com a primeira dose da vacina da AstraZeneca devem permanecer “tranquilas”. “Estas reacções adversas são extremamente raras. No entanto, nos sete a 14 dias após a administração, devem estar atentos a sintomas, a dores de cabeças persistentes, hematomas, manchas vermelhas na pele, sintomas semelhantes ao do AVC, deve contactar de imediato um médico”, disse.

Em relação à segunda dose, Graça Freitas afirmou que “é preciso esperar pelo conhecimento”. “Vamos ter ainda se esperar. Haverá pouquíssimas pessoas que possam ter já levado a segunda dose porque o intervalo recomendado entre a primeira e a segunda dose são três meses e a vacinação com a AstraZeneca não tem tempo suficiente. Vamos esperar pelo que o produtor da vacina nos diz e pelo que a EMA nos diz”, explicou.

A responsável reiterou ainda que a primeira dose já confere alguma protecção a quem a tomou, mas o objectivo é que tenham “protecção adicional”. “Vamos encontrar uma solução que seja segura e que permita maximizar a protecção que já foi dada com a primeira dose”. E o que acontece a quem não quiser tomar a segunda dose? Graça Freitas explicou que será oferecida uma opção vacinal para completar o esquema e quem não quiser ficará com “menos protecção”. “É uma opção pessoal”, disse.

Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, referiu que a vacina da AstraZeneca continua a “ser importante e a ter benefício positivo”. Segundo Henrique Gouveia e Melo, coordenador da task-force para o plano de vacinação, já foram administradas em Portugal mais de 400 mil vacinas da AstraZeneca, que é o nosso segundo maior fornecedor, depois da Pfizer. “Temos uma população por vacinar acima dos 60 anos superior a 2 milhões de habitantes. A vacina será útil na vacinação dessa população, mais idosa”, disse.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

Apesar de a EMA ter reforçado nesta quarta-feira que “não existe actualmente evidência que justifique limitar a administração da vacina a grupos etários específicos”, e não ter emitido qualquer recomendação no sentido de condicionar ou restringir o seu uso em determinadas idades, a autoridade europeia admitiu que os Estados-membros pudessem decidir fazê-lo. “Esta é uma decisão técnica, não uma decisão política”, resumiu a ministra da Saúde, Marta Temido, depois de uma reunião virtual do Conselho da União Europeia para tentar fixar critérios comuns para a administração da vacina da AstraZeneca.

Vacinação dos profissionais da educação será adiada uma semana

Depois da confirmação da decisão, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, coordenador da task-force responsável pelo plano de vacinação, afirmou que o impacto desta decisão no plano de vacinação será “pequeno”. “Vamos adiar uma semana a vacinação dos docentes e não-docentes, que serão vacinados não neste fim-de-semana, mas no próximo”, disse. Assim, a vacinação destes grupos fica marcada para o fim-de-semana de 17 e 18 de Abril. 

Recorde-se que, até aqui, os profissionais da educação estavam a ser vacinados com a vacina da AstraZeneca. Daqui para a frente, explicou Henrique Gouveia e Melo, os docentes e não-docentes vão ser vacinados de acordo com a idade e com a vacina que for “adequada”.

Portugal com dois casos de reacções adversas, um relacionado com a AstraZeneca. Não há registo de mortes

Em Portugal, foram registados dois casos de tromboembolismo, um relacionado com a AstraZeneca e outro com outra das vacinas que estão autorizadas (Pfizer ou Moderna). Não foram registadas mortes por causa desta reacção, avançaram Graça Freitas e Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed. “Sem entrar em detalhes, estas situações são um pouco diferentes das que têm sido reportadas, mas são semelhantes”, afirmou. 

Santos Ivo voltou a reiterar que se tratam de fenómenos extremamente raros (cerca de 100) identificados em cerca de 30 milhões de pessoas que já receberam esta vacina. “A partir do momento em que identificamos um número maior foi possível estabelecer uma relação entra a vacina e o aparecimento desses fenómenos”.

Porque foi a vacina recomendada só para maiores de 60 anos?

A maior parte dos casos de tromboses com redução acentuada do número de plaquetas ocorreu em mulheres com menos de 60 anos e até duas semanas após a vacinação. Com base nos dados actualmente disponíveis, não foram encontrados factores de risco específicos, disse a EMA em comunicado na quarta-feira. Uma explicação possível é que a vacina desencadeie uma reacção imunitária semelhante ao que acontece em alguns doentes tratados com o anticoagulante heparina.

A EMA fez uma avaliação aprofundada de 62 casos de tromboses venosas no seio cavernoso cerebral e 24 casos de trombose venosa esplâncnica (que envolve veias abdominais) registados até 22 de Março na Base de Dados Europeia de Segurança dos Medicamentos (EudraVigilance). Destes, 18 resultaram em morte. Nem todos estes casos são da União Europeia: alguns são do Reino Unido e da Islândia, Liechtenstein e Noruega, que com a União Europeia formam o Espaço Económico Europeu, onde 25 milhões de pessoas receberam esta vacina.

Estes efeitos também foram relatados com outras vacinas contra a covid-19, embora numa proporção muito mais reduzida.

Inicialmente, vários países, inclusive Portugal, optaram por não recomendar a utilização da vacina da AstraZeneca a maiores de 65 anos por ser escasso o número de voluntários acima dessa idade incluídos nos ensaios clínicos. No entanto, no início de Março, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) alargou a administração da vacina a pessoas com mais de 65 anos, depois de ter sido comprovada a eficácia neste grupo etário. Com a decisão desta quinta-feira, a vacina passa a estar apenas recomendada para maiores de 60 anos.

Portugal terá 8,8 milhões de doses para administrar no segundo trimestre

Gouveia e Melo afirmou que, no mês de Abril, estarão disponíveis 1,9 milhões de doses de várias vacinas para serem administradas e no segundo trimestre, como um todo, serão 8,8 milhões de doses, “se tudo se confirmar”. “O peso da AstraZeneca, no segundo trimestre e em 8,8 milhões de doses é de 1,4 milhões de doses, mas como no segundo trimestre estamos a vacinar, em grande parte, a população acima de 60 anos, não vai haver nenhum impacto no ritmo nem no plano de vacinação. O nosso plano consegue ajustar-se a esta recomendação”, explicou.

Quanto ao número de pessoas que se recusaram a receber esta vacina, o vice-almirante referiu que “estes números não estão bem contabilizados”. E explicou porquê:

A nossa preocupação é vacinar todos os dias um conjunto de pessoas e tem a ver com a capacidade das nossas vacinas, para não acumularmos vacinas em armazém. E felizmente temos conseguido ter sempre pessoas para vacinar. Há muita gente que quer a vacina e não temos enfrentando ainda um problema de encontrar utentes que não querem a vacina. Estamos a vacinar à velocidade máxima que estamos a conseguir neste momento.

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