Ghosting aos currículos

Nesta relação entre desempregado e empregador, continua tudo na mesma: o ghosting é quem mais ordena.

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Gabrielle Henderson/Unsplash

Já quase todos ouvimos falar de ghosting. Talvez os solteiros estejam mais dentro do assunto, mas, regra geral, sabemos que passa por ter uma determinada relação com alguém (mais ou menos profunda) e, subitamente, nunca mais saber nada dela. Como se a pessoa se tivesse eclipsado da face da Terra. Podemos voltar a vê-la meses mais tarde com outra conquista pelo braço, ou, se formos mais arrojados, ir bater à porta de casa do supracitado fantasma. Nos últimos anos, do que me tenho apercebido, é um comportamento crescente e muito pouco divertido para quem passa por ele.

Mas há outra forma de ghosting que, sem termo específico, é bem mais antiga e disseminada. Uma coisa é certa, mesmo quem nunca tenha ouvido o termo já o sofreu quando andava à procura de trabalho. Quantos currículos não ficaram já a vaguear na internet sem resposta? Quantas respostas a anúncios de emprego?

Recentemente fiquei sem a minha fonte de rendimento mais estável. Ser trabalhadora independente não é, de todo, sinónimo de estabilidade e uma pandemia não ajuda. Então, voltei a mandar currículos como tinha feito há mais de dez anos quando acabei o curso. O que percebi foi que, nesta relação entre desempregado e empregador, continua tudo na mesma: o ghosting é quem mais ordena.

Eu sei que estar grávida não grita “empregabilidade” no nosso país, mas também não é uma coisa que ponha a abrir o currículo em negrito para destacar. A minha capacidade reprodutiva não é o meu projecto 2020-2021 que vem no topo das informações sobre os últimos trabalhos. A questão é que nem chegamos à parte em que posso gabar efusivamente o rebento que está para nascer porque simplesmente não há resposta. Será isto algum jogo distorcido que não entendo? Se há anúncios, há empregadores à procura de pessoas para trabalhar. Mas parece que assim que alguém se oferece, acabou o interesse, como se de uma relação amorosa se tratasse e quem mostra mais interesse “perde”.

Aconteceu marcarem-me uma entrevista pelo telefone que nunca chegou a acontecer. O telefone nunca tocou, sem qualquer justificação. Enviei e-mail a perguntar se tinha havido algum problema ou se tinham já encontrado alguém e a resposta do outro lado foi... silêncio. Ora, isto é como combinar um encontro com uma pessoa e deixá-la pendurada à porta do cinema com o pacote de pipocas na mão.

Curiosamente, as únicas empresas que me respondem a declinar os meus serviços são empresas estrangeiras. Agradecem a participação, mas não querem brincar comigo. Até agora, entre dezenas de currículos enviados, apenas uma empresa portuguesa foi o/a ex-namorado/a corajoso/a que disse “não, obrigado”.

Até quando vamos continuar a não tratar com respeito quem procura activamente pela coisa mais básica e necessária que é o trabalho? Estar sem trabalho já não é bem visto e é um processo normalmente doloroso para quem o vive. Há uma sensação de inutilidade e falta de propósito que atira muita gente para a depressão. A falta de uma resposta concreta só piora este quadro já difícil de si. É a sensação de que se está na roda do hamster, a correr sem chegar a lado nenhum, enquanto algumas pessoas olham para a nossa gaiola e nos acham preguiçosos porque não queremos trabalhar.

Posto isto: caros empregadores, respondam aos currículos, digam que não gostam, que não querem, mas digam alguma coisa. E não se esqueçam que o LinkedIn é um bocadinho como o WhatsApp: pode não ter dois tracinhos azuis, mas quando vocês vêem os nossos currículos, nós sabemos.

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