“A situação é preocupante e vai ser preciso um ‘Plano Marshall’ para a educação”

Especial atenção aos alunos mais novos, às competências de leitura e de escrita, entre outros conteúdos. Apoios personalizados. Mais professores e psicólogos. “Sabemos que há prejuízos que dificilmente se recuperarão nos próximos anos, terá de haver um grande esforço da escola”, diz o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares.

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LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Nos próximos anos, vai ser preciso uma espécie de ‘Plano Marshall’ para recuperar as aprendizagens de todos os que “ficaram para trás”. Deverá ter em conta os alunos mais novos, mas não só. Deverá “racionalizar” conteúdos curriculares, “trabalhar” o “essencial”: no 1.º ciclo, a leitura e a escrita; no 2.º e 3.º ciclos, a leitura, os conteúdos da Língua Portuguesa, os das ciências. Os recursos terão de ser aumentados, mais professores, mais psicólogos, mais assistentes sociais, mais apoio personalizado e mais coadjuvações na sala de aula. Estas são algumas das preocupações e propostas do presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, e do presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, em reacção aos resultados do diagnóstico feito pelo Instituto de Avaliação Educativa (Iave), destinado a aferir o impacto do primeiro confinamento nas aprendizagens.

O PÚBLICO ouviu também Rodrigo Queiroz e Melo, director-executivo da Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep). Nenhum dos três se mostra surpreendido com os resultados, todos se mostram preocupados. Manuel Pereira considera que, de uma forma geral, o diagnóstico traçado “vai ao encontro dos resultados esperados”, nota que, no primeiro confinamento, não houve “tempo para se preparar o ensino à distância”, que os mais alunos mais velhos teriam outra autonomia e que “os mais novos” terão sofrido mais.

“Se é preocupante? Claro que é preocupante, mas preocupante era também se a escola tivesse mantido as portas abertas, o mais importante foi a defesa da saúde. Mas sabemos que há prejuízos que dificilmente se recuperarão nos próximos anos, terá de haver um grande esforço da escola”, diz, notando ter a expectativa de que, no segundo confinamento, alunos e professores já estivessem mais bem preparados. “Mas, naturalmente, que a situação é preocupante e vai ser preciso um ‘Plano Marshall’ para a educação para recuperar todos os que ficaram para trás”, reitera.

Esse plano, prossegue, será necessário “nos próximos anos” e deverá “ter em conta os alunos mais novos”: “É preciso pensar nisso em termos de organização curricular, da própria escola. Nalguns casos vai ser preciso aumentar recursos humanos nas escolas, professores e mesmo psicólogos, da parte do Ministério da Educação (ME). É preciso recuperar aprendizagens e mesmo questões sociais”. Defende ser preciso “racionalizar alguns conteúdos curriculares, que são demasiado pesados”: “As escolas têm de agarrar o essencial e trabalhar isso. É preciso um plano para trabalhar áreas fundamentais como leitura e a escrita, no 1.º ciclo, e no 2.º e 3.º ciclos também a leitura e conteúdos da Língua Portuguesa e das ciências”.

Já Filinto Lima alerta que os impactos da pandemia nas aprendizagens ainda poderão ser maiores, uma vez que ainda é preciso avaliar o efeito do segundo confinamento. De qualquer forma, não tem dúvidas de que as áreas da saúde mental e da educação terão muito trabalho nos próximos anos. Para este responsável, os “apoios individualizados, personalizados” e as “coadjuvações em contexto de sala de aula” são preferíveis a, por exemplo, “mais dias de aulas”. Salienta que o ME deve voltar a reforçar o crédito horário atribuído às escolas, para se contratar mais professores, e aumentar o número de técnicos especializados, como psicólogos e assistentes sociais. O que mais o preocupa é o 1.º ciclo: “Os primeiros anos de escolaridade vão pagar o valor mais elevado da factura que a pandemia nos vai apresentar, porque são menos autónomos e carecem mais de um ensino personalizado do que outros colegas que já estão em anos mais elevados”.

Já Rodrigo Queiroz e Melo considera “curioso que, nos níveis de desempenho mais elevados, mantém-se a semelhança com a percentagem de alunos com bom desempenho em estudos internacionais, como por exemplo, o Pisa”: “O que isto revela é um impacto muito assimétrico da pandemia e que aumentou, provavelmente, a desigualdade, a percentagem de alunos com dificuldades é que terá aumentado. É previsível que o impacto nos alunos com Acção Social Escolar seja maior, por exemplo. No caso do ensino particular e cooperativo também deve ter havido diferenças, mas precisamos de mais detalhe para perceber onde agir.”

Por isso, defende que a reacção deve ser “diferente em relação às necessidades dos alunos”: “Parece-me difícil que haja um grupo de pessoas a dizer o que se deve fazer, as escolas é que devem olhar para a sua realidade e tomar as opções para os seus alunos concretos. Deve prolongar-se o ano lectivo? Repetir o ano lectivo? Parece-me desadequado tomar decisões dessas. Os que tiveram bons resultados precisam de descansar, os que tiveram resultados muito maus precisam de apoio personalizado. Os resultados do Iave têm de ser devolvidos às escolas e deve deixar-se às escolas tomar as decisões necessárias para cada aluno.”

Embora os resultados não o espantem, “a preocupação é e deve ser enorme”: “Mas, numa altura de preocupação, o pior que se pode fazer é tomar decisões à toa. A preocupação deve ser focada naqueles que precisam de apoio, é preciso ver turma e turma, aluno a aluno. A aquisição de competências leitoras é importante, por exemplo. Há alunos que precisarão de tutorias individuais, de apoio para a leitura e compreensão de textos, outros no cálculo matemático, não acreditamos em soluções iguais para todos”, diz.

Neste fim-de-semana, o antigo ministro Nuno Crato defendeu, em entrevista ao Diário de Notícias, que deviam ser feitos “testes, pelo menos provas de aferição nacionais”, mesmo que não que contassem para a nota, para se conhecer “o estado do ensino”. Rodrigo Queiroz e Melo concorda, Filinto Lima e Manuel Pereira mostram reservas. Para Filinto Lima, o diagnóstico do Iave já é “de muita importância para arranjar estratégias”, já é “um bom instrumento” para a equipa que o ME indiciou “para apresentar soluções para o problema”.

Também Manuel Pereira entende que “as escolas têm noção do que ficou para trás, mesmo sem exames” e que devem “ter autonomia para tomar decisões tendo em conta a realidade de cada escola”. Considera que “cada professor e cada escola sabe o que tem de fazer”: “Nós sabemos o que se perdeu, não precisamos de aferir, é possível que algumas escolas até o queiram fazer, mas isso está dentro da autonomia das escolas. Agora, mais uma bateria de exames cujos relatórios vão aparecer apenas daqui a uns tempos não nos serve para nada neste momento.”

Já Rodrigo Queiroz e Melo concorda, mas lembra que “o Conselho de Ministros anulou as provas de aferição que eram o melhor instrumento de aferição”: “Ainda assim, temos todo o terceiro período pela frente em regime presencial, por isso vamos terminar o ano sabendo como estão realmente os nossos alunos”, diz, notando falar apenas pelo sector privado e cooperativo que representa. Com Samuel Silva

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