Pressionado em todas as frentes, ministro dos Negócios Estrangeiros brasileiro demite-se

Ernesto Araújo era um dos últimos bastiões da “ala ideológica” no Governo e acumulou anticorpos desde que foi nomeado.

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Ernesto Araújo nunca reuniu consenso como ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil ADRIANO MACHADO / Reuters

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, Ernesto Araújo, pediu a demissão esta segunda-feira depois de dias em que esteve sob pressão intensa do Congresso e até de sectores do próprio Governo. Era um dos últimos representantes da chamada “ala ideológica” do Governo de Jair Bolsonaro e a sua saída é vista como uma cedência à base aliado do executivo na Câmara dos Deputados.

A saída de Araújo está a ser avançada pela imprensa brasileira, mas ainda não foi confirmada oficialmente. Porém, a decisão já se desenhava nos últimos dias. Esta segunda-feira, um grupo de senadores disse estar a preparar um pedido formal junto do Supremo Tribunal Federal para destituir o ministro.

A oposição a Araújo está relacionada com a falta de empenho do ministro na negociação internacional para a aquisição de vacinas. “O actual chanceler não só não actuou diligentemente para representar o país nos fóruns internacionais em que era necessário o seu empenho para conseguir vacinas e materiais na quantidade e tempo desejados, como criou obstáculos com um importante parceiro fornecedor”, escreveram os senadores, referindo-se à China que apoiou a produção de vacinas em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.

Nos últimos dias, o ministro tinha entrado em rota de colisão com vários deputados e senadores. Araújo chegou a sugerir que a senadora Kátia Abreu, presidente da comissão de Negócios Estrangeiros do Senado, lhe disse para favorecer a China nos contratos de concessão da tecnologia 5G para receber um tratamento mais favorável pelos senadores.

Pouco antes, numa audiência pública no Senado em que Araújo esteve presente, a continuidade do ministro no cargo tinha sido questionada e foram muitos os senadores a criticarem a sua actuação. Alguns chegaram a ameaçar bloquear todas as nomeações do Itamaraty [sede do Ministério] para as embaixadas, que têm de ser aprovadas pelo Senado.

A acusação de Araújo foi muito mal recebida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um importante aliado de Bolsonaro.

A reputação de Ernesto Araújo – que era um diplomata pouco conhecido antes de ser convidado por Bolsonaro para chefiar o Itamaraty – já era baixa junto de vários sectores políticos e empresariais brasileiros, que o consideravam muito radical. Araújo é um seguidor do escritor Olavo de Carvalho, um dos principais ideólogos da extrema-direita brasileira, conhecido por propagar teorias da conspiração sobre a China ou sobre alegados conluios da esquerda sul-americana para derrubar governos no continente. 

Antecessores de Araújo eram consensuais nas críticas ao chefe da diplomacia brasileira, que viam como o protagonista de uma quebra da tradição do Itamaraty de não hostilizar os países vizinhos e de tentar encontrar pontes com as potências globais.

Mas a demissão é também um produto da negociação constante que Bolsonaro está a levar a cabo com o chamado “centrão”, o grupo de deputados que apoia actualmente o Governo e dispõe da maioria necessária para blindar o Presidente de uma destituição ou da abertura de uma comissão de inquérito. Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, fez um discurso muito crítico do Governo e pediu mudanças, sob pena de poder vir a viabilizar algum dos mais quase cem pedidos de impeachment que chegaram ao Congresso.

A imprensa brasileira diz que a manutenção do apoio do “centrão” está dependente de mexidas na composição do Governo e os Negócios Estrangeiros é uma das pastas em que estes deputados querem ter influência.

O nome que tem sido ventilado para substituir Araújo não parece, no entanto, enquadrar-se nos desejos dos aliados do Governo no Congresso. Trata-se do embaixador brasileiro em Paris, Luís Fernando Serra, que tem posições muito alinhadas com Bolsonaro e com os seus filhos e que em 2018 já tinha sido um candidato a ministro. No “centrão” prefere-se um nome mais consensual e moderado, capaz de fazer regressar o Itamaraty à sua tradição conciliadora.

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