Carta aberta ao primeiro-ministro

Sei, senhor primeiro-ministro, que não faltam justificações actuais para este ameaçador estado de coisas, imediatamente no que respeita à manutenção das instalações. Não podendo deixar de lembrar que esta penúria vem de antes da pandemia e que o Plano de Recuperação e Resiliência ignora a cultura como instância fundamental de desenvolvimento de um país europeu, tenho de lhe recordar que as catástrofes avisam quase sempre antes de acontecerem.

Tendo-me sido pedido um comentário à investigação conduzida pelo jornal PÚBLICO sobre o estado de catástrofe anunciada de vários museus tutelados pelo Ministério da Cultura, e tendo recebido de um dos directores, o de Arte Antiga, informação de que a situação põe já verdadeiramente em risco o espólio do museu, não posso deixar de lhe escrever.

Sei, senhor primeiro-ministro, que não faltam justificações actuais para este ameaçador estado de coisas, imediatamente no que respeita à manutenção das instalações. Não podendo deixar de lembrar que esta penúria vem de antes da pandemia e que o Plano de Recuperação e Resiliência ignora a cultura como instância fundamental de desenvolvimento de um país europeu, tenho de lhe recordar que as catástrofes avisam quase sempre antes de acontecerem. Os museus nacionais, tutelados por um fragilíssimo Ministério da Cultura, estão na iminência de serem palco de desastres graves. Tem de haver meios orçamentais imediatos para suprir os problemas de segurança e manutenção, mas urge também confrontar a inoperância do ministério e dos seus serviços.

Para mim é um incómodo mistério pensar que o Senhor, nascido em meio cultural estimulante, continua a acumular fracassos neste campo. Para si, a história, a cultura e os artistas usam-se na lapela, guardando na gaveta estudos e diagnósticos consistentes, por exemplo o recente relatório Museus do Futuro, amplamente participado pelas equipas dos museus e que enuncia linhas de actuação, desde as que podem ser implementadas de imediato às de médio prazo. Conhece esse relatório, senhor primeiro-ministro?

Deixo-lhe um conselho: vá visitar alguns museus assim que eles puderem reabrir, depois de 5 de Abril, e dê a sua palavra, às angustiadas chefias e equipas, que é tempo de mudar e que a mudança vai mesmo acontecer. Muitos considerarão esta proposta ingénua. Eu quero acreditar que não. Que vai compreender, por exemplo, que é demasiado grave estar a proceder-se a uma operação extraordinária de estudo dos Painéis de Nuno Gonçalves, um tesouro nacional, europeu e mundial, mas a sala onde eles estão irá passar o Verão sem ar condicionado ou sistema de alarme a funcionar com segurança. E que, no Museu Nacional do Azulejo, no Museu Nacional do Teatro, no Museu Nacional de Arte Contemporânea, estas e outras ameaças crescem todos os dias.

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