Militares matam mais de 114 pessoas em “dia da vergonha para as forças armadas”

Entre os mortos do que será já o dia mais sangrento dos protestos contra o golpe militar na Birmânia há várias crianças. A delegação da UE diz que este sábado “ficará para sempre gravado como um dia de terror e desonra”.

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O líder do golpe e da junta militar, Min Aung Hlaing, na parada militar na capital, Naypyitaw Reuters/STRINGER
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Manifestação pacífica contra o golpe em Rangum, este sábado LUSA/STRINGER
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Manifestante passa junto a uma barricada em Mandalay LUSA/STRINGER

É Dia das Força Armadas na Birmânia e o que já se sabe da repressão deste sábado contra os manifestantes pacíficos chega para ter a certeza que se trata do dia mais sangrento desde o golpe militar do início de Fevereiro no país. Durante uma parada militar na capital, Naypyitaw, o líder da junta militar, Min Aung Hlaing, reafirmou que os soldados “procuram unir-se a toda a nação para salvaguardar a democracia”. Na véspera, a televisão estatal dissera que os manifestantes se arriscam a ser alvejados “na cabeça e pelas costas”

Segundo várias testemunhas e relatos em notícias locais, as forças de segurança mataram pelo menos 114 pessoas em todo o país – antes, a Associated Press citara um investigador independente em Rangum que tem compilado os números de vítimas quase em tempo real e que já dava conta de 74 mortos em mais de 20 cidades (os números adiantados por este investigador têm batido certo com os que são confirmados ao fim de cada dia pela Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos). Com esse número, este sábado teria já igualado o dia com mais vítimas desde o golpe de que há registo.

De acordo com o portal de notícias Myanmar Now, pelo menos 114 pessoas perderam a vida.

“Hoje é o dia da vergonha para as forças armadas”, afirmou um porta-voz do CRPH (Committee Representing Pyidaungsu Hlutta), um grupo anti-golpe criado pelos deputados depostos, num fórum online. “Os generais estão a celebrar o Dia das Forças Armadas quando acabam de matar mais de 300 civis inocentes”, diz este porta-voz, identificado como Dr. Sasa, dando uma estimativa geral dos mortos desde o início dos protestos.

A Al-Jazeera adianta que entre os mortos há várias crianças e jornais birmaneses escreveram que um menino de cinco anos estava entre as pelo menos 40 pessoas mortas em Mandalay – de acordo com a Reuters, o menino terá sobrevivido. O mesmo não aconteceu a uma rapariga de 13 anos, morta também em Mandalay, e a um rapaz da mesma idade morto em Shwebo, Sagaing, depois de ser atingido por um atirador furtivo quando estava à janela de casa.

Foi em Mandalay, a segunda maior cidade do país que na terça-feira uma menina de sete anos foi morta a tiro, atingida quando corria para o colo do pai, durante um raide à casa da família. A organização não-governamental Save the Childen dava então conta de mais de 20 crianças entre os mortos da repressão.

Bebé atingido no olho                                       

Para além de Mandalay e da região central de Sagaing, há notícias de mortes em Rangum, na região de Bago (um manifestante e vários feridos graves, escreve o jornal The Irrawaddy) e em Lashio (Leste do país). Um bebé de um ano foi atingido no olho com uma bala de borracha, diz o diário britânico The Guardian. O Movimento Civil de Desobediência identifica um dos mortos como o médico Phyo Thant Wai, da Universidade de Medicina de Mandalay.

O jornalista Tony Cheng, da Al-Jazeera, que está em Banguecoque, na Tailândia, diz estar a ver “muitas imagens de pessoas com ferimentos terríveis, muitos deles de disparos na cabeça – alguns ainda vivos, outros claramente mortos – enquanto o exército ataca por todo o país com força total”.

Para além dos mortos que é possível ir somando através das contas de media e activistas pró-democracia nas redes sociais, também há vídeos assustadores de manifestantes a serem espancados – incluindo um onde se vê forças de segurança a atirarem pedras enormes à cabeça de uma jovem.

“Este derramamento de sangue é horrível”, disse o embaixador do EUA, Thomas Vajda. “O povo da Birmânia já falou claramente: não querem viver sob governação militar.” A delegação da União Europeia no país afirmou que este sábado “ficará para sempre gravado como um dia de terror e desonra”.

“Deviam aprender com a tragédia das mortes anteriores que correm o risco de serem atingidos na cabeça e pelas costas”, afirmou na sexta-feira a televisão estatal, num aviso onde não se especificou se essas são as ordens dadas pela junta. Mas ficou claro que os generais queriam impedir protestos no Dia das Forças Armadas, que comemora o início da resistência à ocupação japonesa, em 1945, orquestrada pelo pai de Aung San Suu Kyi, Aung San, fundador do Exército e considerado o pai da Birmânia moderna.

Aviso dos grupos étnicos armados

As facções armadas de diferentes etnias não vão continuar quietas face às mortes de manifestantes às mãos dos militares, avisou este sábado o líder de um dos principais grupos. “Se eles continuam a matar manifestantes e a intimidar as pessoas, penso que nenhum dos grupos étnicos vai ficar de braços cruzados”, disse à Reuters o general Yawd Serk, que preside ao Conselho de Restauração do Estado de Shan/ Exército do Estado de Shan, perto das fronteiras com a China, o Laos e a Tailândia.

Este grupo, que opera junto à fronteira tailandesa, é umas das várias facções no país que denunciaram o golpe e disseram estar ao lado dos manifestantes. Muitos dos que têm arriscado a vida e saído à rua em protesto pedem a formação de um exército federal, apelo que Yawd Serk diz apoiar: “Os grupos armados étnicos agora têm um inimigo comum e temos de nos juntar para provocar dano a quem está a fazer mal ao povo”.

Foi a 1 de Fevereiro que o Exército afastou do poder o Governo civil liderado por Suu Kyi e pela sua Liga Nacional para a Democracia, a pretexto de fraude nas eleições de Novembro (sem apresentar quaisquer provas), que o partido venceu com maioria absoluta. Suu Kyi e muitos dirigentes de Liga estão detidos desde então.

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