Relação critica requerimento de polícia de Alfragide condenado. Quer atrasar aplicação da sentença

O agente Joel Machado era o único condenado a prisão efectiva e acusou o tribunal de erro de julgamento. Relação acusa-o de querer “consulta jurídica” do tribunal. IGAI só actua depois de sentença transitar em julgado.

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Rui Gaudencio

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) acusa o único agente da PSP da Esquadra de Alfragide condenado a prisão efectiva, Joel Machado, de tentativa “inoperante” de evitar o trânsito em julgado do acórdão por causa de um requerimento que interpôs. Machado alegou ter existido erro de julgamento em matéria de facto por não ter sido feita prova quanto à autoria das agressões em causa e insurgiu-se quanto à credibilidade que os juízes deram ao depoimento de uma das vítimas, Rui Moniz.

Confirmando integralmente a decisão do Tribunal de Sintra, num acórdão de 25 de Novembro de 2020, a Relação condenou os oito polícias por agressões, sequestro agravado e falsificação de documento de seis jovens da Cova da Moura em 2015. Apesar de o chefe Luís Anunciação ter sido aquele que teve a pena mais longa (cinco anos por cúmulo jurídico), só Joel Machado tinha sido condenado a pena de prisão efectiva — de um ano e seis meses devido a antecedentes criminais por crime idêntico. 

Mas Joel Machado não se conformou com a decisão e apresentou um requerimento que atrasou o trânsito em julgado — ou seja, quando a decisão se torna definitiva. A Relação acusa Joel Machado de atrasar o trânsito em julgado e “porventura arranjar pretexto” para recurso ao Tribunal Constitucional. Não é claro se Joel Machado o fará, e o PÚBLICO não conseguiu confirmá-lo com o seu advogado.

No despacho de 17 de Março, a Relação é crítica em relação ao requerimento de Joel Machado. “O que verdadeiramente o requerente Joel Fernando Barbosa Machado pretende para além de evitar o trânsito em julgado da decisão aqui proferida é que este TRL lhe preste uma consul­ta jurídica relativamente a alegada ‘omissão de pronúncia’ e que proceda a uma modificação essen­cial do julgado”, afirma o despacho. Mas, diz, “não cabe aos tribunais prestar consultas jurídicas”. O tribunal afirma ainda que o acórdão “não padece de qualquer erro, lapso ou obscu­ridade, que imponha a sua correcção”, por isso está esgotado o poder jurisdicional do TRL. 

Sinal de impunidade?

Na sua decisão em Novembro, os juízes deste tribunal superior justificaram que é importante a comunidade não encarar a suspensão de pena como “sinal de impunidade” e referiram que não pode ficar instalada “qualquer dúvida sobre a adequada reacção do sistema a um facto com a gravidade de se atentar voluntariamente contra a integridade física e liberdade de Rui Moniz” [um dos jovens]. Ou seja, estava “completamente arredada a hipótese de suspensão da pena”. Este julgamento teve, de resto, um procedimento invulgar, pois a Relação decidiu que queria ouvir Rui Moniz, Joel Machado e uma testemunha que nunca tinha sido inquirida antes (o agente Carlos Machado). 

O facto de este acórdão ainda não ter transitado em julgado impede que sejam aplicados processos disciplinares aos oitos agentes, que até recentemente se encontravam em funções — a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) já afirmou que só haverá decisão sobre isso depois do trânsito em julgado. Também atrasa o pagamento de indemnizações aos seis jovens, que chegam a quase 70 mil euros: só o chefe Luís Anunciação terá que pagar 50 mil euros no total, 10 mil euros a cada um de cinco dos seis ofendidos. Uma das vítimas, Celso Lopes, foi baleado na perna — o agente João Nunes, autor dos disparos, terá de lhe pagar uma indemnização de cinco mil euros.

No acórdão, os juízes da Relação escreveram que consideram, tal como os juízes de Sintra, que houve um “grave abuso de autoridade” pelos arguidos e que se excederam em “manifesto desrespeito pelos pelos direitos, liberdades e garantias de qualquer um dos ofendidos”.

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