Um Festival de Avignon entre as saudades do passado pré-pandémico e “as recordações do futuro”

A brasileira Christiane Jatahy abre com Tiago Rodrigues uma 75.ª edição que contará ainda com espectáculos de Angelica Liddell, Emma Dante, Kornél Mundruczó, Brett Bailey e Maguy Marin. E com um conferencista centenário: Edgar Morin.

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Misericordia é uma das duas peças de Emma Dante no cartaz deste 75.º Festival de Avignon DR

Olivier Py e Paul Rondin, respectivamente director artístico e director-delegado do Festival de Avignon, foram taxativos na tarde desta quarta-feira, após o anúncio do programa da 75.ª edição do grande “acontecimento” anual do teatro francês: ou há festival... ou há festival. Mesmo no actual contexto de total indefinição sobre a evolução da pandemia em França e no resto do mundo, os cenários de adiamento ou cancelamento foram radicalmente afastados pela direcção, que garantiu estar a trabalhar apenas num plano B, o da redução das lotações, caso esta venha a ser imposta. Certificado internacional de vacinação, teste negativo? “Será sempre na base da responsabilidade individual”, respondeu Py às questões sobre as regras a impor aos espectadores que de 5 a 25 de Julho compareçam em Avignon.

Após um 2020 sem festival (como compensação, Avignon organizou em Outubro uma Semana de Arte que, disse esta tarde Paul Rondin, foi já um ensaio geral para Julho próximo), a 75.ª edição recupera parte do tempo perdido, reprogramando vários dos espectáculos que chegaram a estar escalados para o ano passado. Mas também se atirará para o futuro, nomeadamente com a conferência do então já centenário (fará cem anos a 8 de Julho) Edgar Morin, marcada para o dia 13 e intitulada Se souvenir de l'avenir ("Lembrar-se do futuro"). Antes, porém, o pano sobe com dois encenadores de língua portuguesa: a brasileira Christiane Jatahy, que apresentará Entre Chien et Loup, derivação do Dogville de Lars von Trier aqui projectada na personagem de uma brasileira que decide exilar-se fugindo ao fascismo e às milícias; e o português Tiago Rodrigues, que ocupará a Cour d'Honneur do Palácio dos Papas de 5 a 17 de Julho com uma nova montagem de O Cerejal, de Tchékhov, protagonizada por Isabelle Huppert.

Entre outros regressados a Avignon estão a espanhola Angélica Liddell, com uma ficção que cruza o suicídio do toureiro andaluz Juan Belmonte e  Tristão e Isolda de Wagner (Liebestod. El olor a sangre no se me quita de los ojos, Juan Belmonte), a siciliana Emma Dante (em dose dupla com Misericordia e Pupo di Zucchero – La Festa dei Morti, sobre os rituais do Dia dos Mortos no Sul da Itália) ou o sul-africano Brett Bailey, desta vez numa visita ao mito de Sansão. Outras entradas estrangeiras desta edição em que a programação internacional representa 42% do cartaz: o húngaro Kornél Mundruczó (Une Femme en Pièces), a sul-africana Dada Masilo (Le Sacrifice), o holandês Jan Martens (Any Attempt Will End in Crushed Bodies and Shattered Bones) e o grego Dimitris Papaioannus (Ink), assim como o palestiniano Bashar Murkus (Le Musée).

Do contingente francês deste festival que quase atingiu a paridade este ano (46,5% dos espectáculos são encabeçados por mulheres) constam, além do director da casa, Olivier Py, que revisitará a nossa obsessão colectiva por Hamlet em Hamlet à l'impératif!, e as coreógrafas Maguy Marin (Y aller voir de plus près) e Phia Ménard (La Trilogie des Contes Immoraux/Pour Europe). A que se juntam duas investidas eventualmente indigestas na culpa colonial europeia, Autophagies (Histoires de bananes, riz, tomates, cacahuètes, palmiers. Et puis des fruits, du sucre, du chocolat), de Eva Doumbia, e Liberté, j'aurais habité ton rêve jusqu'au dernier soir, que juntará, em torno das palavras de René Char e Frantz Fanon, o economista Felwine Sarr, co-autor do relatório encomendado por Emmanuel Macron sobre a restituição de património às ex-colónias francesas, ao encenador ruandês Dorcy Rugamba.

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