A sexualidade de plantas e humanos

Neste segundo artigo – de uma série de quatro a publicar ao fim-de-semana – continuamos a viagem pelas semelhanças e diferenças entre nós e as árvores, agora ao nível do corpo e da reprodução sexuada.

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Dimensões árvore-homem: o biólogo Jorge Paiva junto a uma Sterculia africa em Quiterajo (Cabo Delgado, Moçambique) Jorge Paiva

A morfologia do nosso corpo e o de uma árvore é semelhante. Assim, temos cabeça, tronco e membros superiores (braços) e inferiores (pernas). As árvores, copa (cabeça), tronco e ramos (membros) superiores (braços) e inferiores (ramos radiculares).

Como já referimos (As Árvores e Nós I), também somos semelhantes estruturalmente, pois somos ambos seres vasculares (com vasos): artérias e veias no nosso corpo; floema e xilema nas plantas, por onde circula água e um líquido (sangue arterial nas artérias e venoso nas veias) no nosso corpo e seiva (elaborada no floema e bruta no xilema) nas plantas.

Claro que, apesar de semelhantes, há grandes diferenças, a principal das quais, como referimos anteriormente (As Árvores e Nós I) é que nós somos consumidores e poluidores e as árvores são produtoras e purificadoras.

Na reprodução também há muitas semelhanças e diferenças.

A principal diferença é na reprodução assexuada, que nós não temos. As árvores estão fixas. Não se movendo, a reprodução sexuada entre indivíduos é extremamente aleatória e mais difícil do que no nosso caso, que nos deslocamos para emparceirar. Por isso, as plantas conseguem reproduzir-se sem precisarem de conjugação de gâmetas.

Assexuadamente, as árvores reproduzem-se naturalmente através de ramos portadores de gemas, que se desprendem, por fragmentação (agitação do ar ou fragmentados por animais), que, chegados ao solo e havendo condições, conseguem germinar formando árvores genética e morfologicamente iguais à árvore progenitora. A espécie humana, quando descobriu isso, passou a reproduzir assexuadamente árvores, particularmente as fruteiras (estacaria, enxertia, alporquia, mergulhia e, actualmente, por micropropagação). Nas plantas, além da fragmentação vegetativa, ainda há outros processos naturais de reprodução assexuada, como, por exemplo, por gemas (exemplo a batateira), esporos e apomixia (produção de sementes, sem fecundação).

A reprodução sexuada é extremamente semelhante, embora os órgãos sexuados tenham designações diferentes devido ao tardio conhecimento da sexualidade nas plantas (séculos XVI-XVII). Quando Andrea Caesalpino (1519-1603) descobriu que as plantas tinham reprodução sexuada “calou-se”, com receio de ser condenado. O monge Gregor Mendel (1822-1884), quando o Superior do Convento o proibiu de estudar a hereditariedade com ratos (não era curial um monge estar a assistir e promover relações sexuais entre os animais), continuou as experiências com plantas (exemplo ervilheiras), pois, como referiu, “o meu Superior não sabe que as plantas também têm reprodução sexuada”.

Às plantas vasculares que dão sementes chamamos espermatófitas (os fetos, por exemplo, não dão sementes), das quais umas dão flores e frutos (angiospérmicas) e outras não têm flores e não dão frutos, apenas sementes (gimnospérmicas, como, por exemplo, pinheiros, ciprestes e zimbros).

Nomenclaturas dos órgãos

Tal como nas árvores com flores (angiospérmicas), em que os órgãos reprodutores (estames, com filete e antera; ovário, com estilete e estigma) estão protegidos pelo perianto (simples, só com tépalas, ou diferenciado em sépalas e pétalas), também nos humanos temos a pubescência da região púbica, que corresponde ao perianto das angiospérmicas.

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No aparelho reprodutor masculino dos humanos, temos os testículos, onde se formam as células sexuais masculinas móveis (espermatozóides), que são introduzidas no aparelho reprodutor feminino pelo pénis. Nas angiospérmicas, os grãos de pólen formam-se nas anteras (os testículos das plantas), germinam sobre o estigma e produzem o tubo polínico (o pénis das plantas), que introduz as células sexuais masculinas imóveis (os espermatozóides das plantas) no aparelho reprodutor feminino.

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Nas angiospérmicas, o aparelho reprodutor feminino, o pistilo (ovário, estilete, estigma) tem a mesma configuração do que o do ser humano, apenas está voltado para cima (para receber os grãos de pólen no estigma) em vez de estar voltado para baixo, como no nosso caso.

Os órgãos sexuais femininos das plantas têm designações diferentes das dos animais, apenas porque quando escolheram os respectivos termos (exemplos: estilete, estigma, ovário, óvulo) ainda não se conheciam bem as homologias entre eles e os dos animais. Nos humanos, o aparelho genital feminino é constituído pela vagina (com a vulva e canal vaginal), que se liga ao útero, onde “desaguam” os ovidutos que vêm dos ovários, onde se formam as células sexuais femininas imóveis (óvulos). Nas angiospérmicas, o correspondente ao útero é o ovário (já se chamava assim quando se descobriu a homologia); o correspondente ao ovário das mulheres é o óvulo das espermatófitas (plantas com sementes), e aos óvulos dos animais correspondem as oosferas das plantas (gâmeta feminino imóvel).

Vejamos, então, as homologias dos órgãos. À vulva corresponde o estigma; à vagina e respectivo canal corresponde o estilete; ao útero corresponde o que se designa por ovário nas plantas; ao ovário dos animais corresponde o óvulo das plantas; ao óvulo humano, célula sexual feminina dos animais, corresponde a oosfera, célula sexual feminina das plantas. Nas mulheres, quando a célula sexual masculina (espermatozóide) fecunda a célula sexual feminina (óvulo), no oviduto (trompa), forma-se o ovo, iniciando-se aí (no oviduto) a formação do embrião, que se vai completar no útero. Logo que o óvulo é fecundado no oviduto, o útero inicia imediatamente a preparação para receber o embrião (inicia-se a dilatação da cavidade uterina, assim como da parede do útero). Nas plantas, logo que o grão de pólen inicia a germinação no estigma e o tubo polínico vai “caminhando” através do estilete, levando na extremidade as células sexuais masculinas (imóveis) ao encontro das oosferas (células sexuais femininas), o ovário (o “útero” das plantas) inicia imediatamente a preparação para a formação do fruto (dilatação e espessamento dos tecidos), onde se vão formar os embriões (nas sementes).

Nas gimnospérmicas, por não terem flores, não têm ovário, portanto não dão fruto, pois, como vimos, o fruto resulta da dilatação do ovário. Nos animais que não têm útero, como aves, por exemplo, depois da fecundação do óvulo, como não há útero nem placenta, o ovo carrega-se de substâncias nutritivas (gema e clara) envolvidos por uma parede protectora (casca) e sai do corpo da progenitora para ser chocado (calor para que o embrião se desenvolva) e dar um pinto. É o que acontece com as gimnospémicas que, por não terem ovário (útero dos animais), depois da fecundação da oosfera (óvulo dos animais) o ovo carrega-se de substâncias de reserva, desenvolve-se o embrião envolvido por uma parede protectora (testa da semente) e sai do corpo da progenitora dentro da semente, para germinar e dar uma nova planta.

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Quando se dá a fecundação do óvulo humano, como vimos, dá-se a dilatação do útero ao qual se liga o embrião (para receber nutrientes), que está protegido pela placenta. Nas angiospérmicas, depois da fecundação da oosfera (célula sexual feminina) forma-se o ovo que germina dentro do óvulo (corresponde à placenta) e forma o embrião, protegido pela parede do óvulo que endureceu (testa da semente). Esta parede com o embrião constitui a semente. Geralmente, no útero humano apenas há um ovo, que germinado origina apenas uma criança. Nas plantas, no ovário (útero dos animais) formam-se frequentemente muitos ovos, originando-se frutos com muitas sementes, como, por exemplo, no melão e na vagem das ervilheiras.

Assim, um pinhão do pinheiro, uma gimnospérmica (não tem flores, por isso não produz frutos), é uma semente e uma castanha ou um grão de milho são frutos (resultantes de plantas com flores) monospérmicos (com uma única semente) e uma melancia é um fruto polispérmico (com muitas sementes).

Gravidez extra-uterina

Como sabemos, o embrião humano é alimentado no corpo materno, com nutrientes que lhe chegam através do cordão umbilical. Nas plantas o embrião é alimentado com nutrientes que a planta lhe fornece através de um tecido que o envolve (endosperma nas gimnospérmicas, albúmen, nas angiospérmicas). As plantas que dão frutos (angiospérmicas), geralmente ricos em nutrientes, eles não são para alimentar os embriões, mas para alimentar os animais dispersores. Nas árvores, como não se deslocam como nós, o único processo de dispersarem as sementes é com o auxílio do vento (frutos secos ou sementes leves e, muitas vezes, alados), ou dos animais (frutos carnudos com sementes de testa dura ou num caroço) ou pela água (frutos fibrosos e leves para sobrenadarem, como, por exemplo, o coco).

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Há uma grande diferença após parto (saída do ser do corpo materno), pois no nosso caso, a progenitora tem de continuar a alimentar o filho com nutrientes e água (leite) que ela fornece; nas plantas, assim que as sementes encontram água, germinam e formam logo folhas verdes para produzirem os nutrientes necessários. As plantas não precisam de mamar!

Como se referiu, logo que o óvulo é fecundado no oviduto, o útero inicia imediatamente a preparação para receber o embrião (inicia-se a dilatação da cavidade uterina, assim como da parede do útero). Se, por qualquer circunstância, o embrião não chega ao útero, dá-se aquilo a que se chama uma gravidez extra-uterina. Pois bem, nas plantas também há um fenómeno idêntico. Logo que o grão de pólen inicia a germinação no estigma e o tubo polínico vai caminhando através do estilete, levando na extremidade as células sexuais masculinas ao encontro das oosferas (células sexuais femininas), o ovário (o útero das plantas) inicia imediatamente a preparação para a formação do fruto (dilatação e espessamento dos tecidos), onde vão estar os embriões (nas sementes). Se a viagem do tubo polínico é interrompida e as células sexuais masculinas não chegam a fecundar as oosferas (células sexuais femininas), dá-se o correspondente a uma gravidez extra-uterina, formando-se, assim, um fruto sem sementes (partenocarpia). Actualmente, há vários processos de produção de frutos sem sementes, particularmente na fruticultura, como laranjas, tangerinas, melancias e bananas (quando se abra ao meio uma banana são bem visíveis os óvulos não fecundados).

Nós e as árvores somos, realmente, muito diferentes, mas extremamente semelhantes…

Biólogo

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