Europa vive pandemia da covid-19 a várias velocidades. Regresso do turismo no Verão é “passo maior do que a perna”, alerta especialista

Alguns países europeus apertam medidas de confinamento para controlar uma eventual “terceira onda”. Tiago Correia, especialista em Saúde Internacional, considera que ainda é prematuro pensarmos no regresso das viagens transfronteiriças.

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Itália é um dos países que mantém medidas restritivas para controlar pandemia LUSA/MASSIMO PERCOSSI

Alguns países levantam o desconfinamento, outros aumentam restrições: a Europa vive a múltiplas velocidades a pandemia da covid-19. França, Alemanha e Itália voltam a implementar confinamentos e recolhimento obrigatório, enquanto Portugal e Dinamarca, por exemplo, tentam seguir uma trajectória gradual no levantamento de restrições. Com tanta indefinição, o regresso do turismo no Verão pode ser “um passo maior do que a perna”.

Na leitura de Tiago Correia, especialista em Saúde Internacional, estas diferenças na gestão da pandemia não são algo de novo. O docente, e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT), traça um paralelismo entre a actual situação europeia e as duas primeiras vagas do SARS-CoV-2 em Portugal.

“Acho que mesmo na primeira vaga houve diferenças: Portugal estava ‘atrasado’ no aumento exponencial da curva uns 15 dias. Quando começámos com o crescimento da segunda vaga, a esmagadora maioria dos países europeus registou-o em Agosto, e, uma vez mais, tivemos três semanas ou um mês de diferença. Estas alterações que encontramos não são diferentes das dinâmicas anteriores”, afirma, em declarações ao PÚBLICO, o especialista em Saúde Internacional.

Mas olhemos para alguns casos que provam estas diferentes formas de actuação: na Alemanha, por exemplo, o confinamento manter-se-á até à Páscoa. Hamburgo, a segunda maior cidade no país, registou durante duas semanas consecutivas uma incidência superior a 100 casos por 100 mil habitantes, um valor que forçou o chefe do Governo da cidade-estado de Hamburgo, o social-democrata Peter Tschentscher, a admitir que o país atravessa uma “terceira onda forte”.

No lado oposto do espectro está a Dinamarca que, tal como Portugal, iniciou em Março uma suavização gradual das medidas restritivas. O dia 1 de Março foi a data inicial do calendário de desconfinamento dinamarquês, que assistiu ao regresso parcial do ensino presencial em certas zonas do país bem como a reabertura de lojas com menor dimensão. Também na Holanda as escolas secundárias abriram com restrições, de modo a permitir aos alunos mais velhos regressarem, pelo menos uma vez por semana, ao ensino presencial. 

Na Bélgica o confinamento foi alargado até ao dia 1 de Abril, com as autoridades belgas apenas a permitirem as viagens essenciais. Na República Checa, as creches foram encerradas e o estado de emergência vigorará no país até ao final do próximo mês. A Irlanda, por sua vez, mantém escolas, ginásios e restantes estabelecimentos não essenciais encerrados, adoptando o regime de take-away em restaurantes. O Governo irlandês estabeleceu a meta de 5 de Abril como o dia em que a suavização das restrições terá início. 

França e Itália são outros dois países que voltam a apertar medidas para controlar a pandemia. No caso dos gauleses, 21 milhões de pessoas regressam ao confinamento no sábado, com as restrições a abrangerem 16 zonas do país. O primeiro-ministro, Jean Castex, alertou para a possibilidade cada vez mais iminente da existência de uma terceira vaga. Em Itália, metade do país está sob confinamento desde o dia 15 de Março: as regiões de Roma, Milão e Veneza são algumas das afectadas pelas medidas que se prolongam até dia 6 de Abril.

Já na Suécia, país conhecido por ter aplicado medidas de confinamento mais suaves, estão em vigor algumas limitações na ocupação das lojas e locais públicos. As directrizes do Governo apontam ainda para a necessidade do uso de máscara nos transportes públicos e, numa fase mais recente, também em público, noticia a BBC. Em Espanha, o confinamento mantém-se: o aumento da incidência na Catalunha já levou a porta-voz do Governo catalão, Meritxell Budó, a alertar que a reabertura de bares e restaurantes terá de esperar. 

"Não se fez nada para preparar o país para a segunda vaga"

Mas o que justifica estas diferenças de actuação? Para Tiago Correia, “as respostas políticas” dos diferentes Governos são o principal factor que contribui para a dureza das medidas adoptadas perante uma subida do número de casos e internamentos. Destacando a Dinamarca e a Alemanha como dois “bons exemplos” no combate da pandemia, o investigador aponta alguns pontos que deveriam ter sido melhorados na actuação portuguesa.

“Com aquilo que aprendemos na primeira vaga, com os surtos em Lisboa, vimos o que estava a falhar do ponto de vista de rastreios e inquéritos epidemiológicos. Não se fez nada para preparar o país para a segunda vaga, não se fez em Setembro nada de efectivo. [Houve] um atraso muito significativo e falta de coordenação”, considera Tiago Correia.

O especialista considera fundamental que as entidades de saúde esclareçam o risco da circulação do vírus na população saudável, para que sejam avaliadas as razões para um novo confinamento assim que as pessoas de risco tenham recebido a vacina. Contudo, olhando para um cenário de desconfinamento, Tiago Correia alerta para os perigos na retoma das viagens internacionais.

“[O regresso do turismo] É um passo maior do que a perna. Enquanto não soubermos se a vacina bloqueia a transmissão do vírus, enquanto estivermos em dificuldades com o regresso de casos, temos de ter cuidado com o contacto internacional entre as pessoas. Não só porque as cadeias de transmissão são de identificação muito mais difícil, como depois a história das variantes. Aqui olho para a Austrália, que assumiu que nos próximos meses terá turismo interno. Enquanto estivemos no ‘corredor vermelho’ do Reino Unido, foi o turismo interno que dinamizou – de alguma forma – a economia”, finaliza o investigador.

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