Retortillo é na nossa terra! Aqui, aqui mesmo

Já evitámos um Douro radioactivo com o desmantelamento da central nuclear de Sayago e com o enterramento do projecto de sepultar resíduos nucleares em Aldea Vila de la Ribera. Vamos agora receber nas nossas cabeças, nos nossos campos, as poeiras e as radiações, e nas nossas águas os efluentes radioactivos? Não, obrigadinho!

A Oeste de Salamanca, a escassos quilómetros de Portugal, continuamos na expectativa que se encerre o processo de abertura de minas de urânio, a céu aberto, e articuladas com uma fábrica de tratamento desse mineral, assim como de um depósito de resíduos radioactivos. E ainda que possa parecer uma notícia requentada, dado o tempo que já passou desde que a empresa Berkeley Minera España S.L. se começou a interessar pela exploração de urânio em Espanha, há mais de 15 anos, ainda hoje não foi dada autorização por todas as administrações envolvidas no procedimento.

A entidade que deve tomar uma decisão sobre a aprovação da construção desta estrutura é o Ministério para a Transição Ecológica do Governo de Espanha, após parecer do Conselho de Segurança Nuclear (CSN), sendo que o regulador espanhol há quatro anos que a tem em mãos, dada a complexidade do processo. Em virtude desse atraso, a empresa lançou uma campanha urgindo a imediata declaração favorável, o que provocou a indignação dos membros do CSN que viram a sua independência atacada por essa empresa multinacional, muito activa nos mercados financeiros.

Outro elemento veio complicar ainda mais a situação, que foi a tramitação pelo Parlamento espanhol da Lei de Alterações Climáticas, apoiada pela maioria dos grupos parlamentares, da proibição das minas de urânio em Espanha, ainda que tal, per se, não impeça o projecto de Retortillo, que lhe é anterior.

Minas de urânio sempre existiram em Espanha e Portugal, desde o século passado, e na zona da Urgeiriça conhecemos bem os impactos na vida e saúde dos trabalhadores e da população. Mas no início do século XXI abandonaram-se esses projectos por serem demasiado perigosos e pela sua escassa rentabilidade – dependente, é certo, do preço do urânio nos mercados, que hoje ronda os 27 dólares por libra de peso, quando já chegou aos 140 dólares, o que leva a generalidade dos especialistas a duvidar deste investimento a não ser por lógica financeira imediatista, deixando todo o prejuízo, que já é grande em destruição da biodiversidade, para quem cá fica.

O abate de mais de 2000 sobreiros centenários, que só não teve continuidade por falta de autorização, deixou já uma ferida irreversível no montado salmantino, o que deveria ter sido castigado pelas administrações espanholas, que têm sido apoiadas por uma justiça insensível a esta problemática ambiental.

Em Portugal, esta situação tem sido acompanhada pelos meios de comunicação social e foi objecto de debate na Assembleia da República na anterior legislatura, que deslocou a sua Comissão de Ambiente ao local para ver o projecto e contactar as autoridades locais e as populações. Tem, além disso, sido objecto de preocupação dos municípios raianos, muito preocupados com o impacto das poeiras e das radiações nas suas terras e no Douro, Património da Humanidade.

Este caso é outro que mereceria, certamente, das autoridades de Ambiente do lado português uma adequada análise e a exigência de uma avaliação ambiental transfronteiriça, dado o enorme impacto que poderá ter nas terras lusitanas e para o futuro das suas gentes.

Neste momento em que pressões suspeitas, muito suspeitas, ensombram a independência do CSN, deveriam, também, as autoridades portuguesas levantar a sua voz, e da parte da Agência Portuguesa do Ambiente, sempre disponível, noutras ocasiões (Almaraz), a seguir as determinações do CSN e a reclamar a sua observância, que defenda, desta vez, a independência desse parecer sobre Retortillo e reclame que este tenha em conta também as populações da zona e, claro, as nossas, e respeitem as regras que regem as relações entre os Estados ao abrigo das convenções e tratados internacionais.

Já evitámos um Douro radioactivo com o desmantelamento da incipiente central nuclear de Sayago e com o enterramento do projecto de sepultar resíduos nucleares de alta actividade em Aldea Vila de la Ribera.

Vamos agora receber nas nossas cabeças, nos nossos campos, as poeiras e as radiações, e nas nossas águas os efluentes radioactivos? Não, obrigadinho!

José Ramón Barrueco, Stop Urânio
António Eloy, Observatório Ibérico Energia
José Mazon (Chema), Adenex
Pedro Soares (Associação Urtica)

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