OMS continua a recomendar a vacina da AstraZeneca contra a covid-19

Algumas equipas de cientistas europeus dizem ter encontrado indícios de que a vacina provoca reacções imunitárias exageradas, mas a Organização Mundial da Saúde junta a sua voz à Agência Europeia do Medicamento para prosseguir a imunização.

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Vacinação com a AstraZeneca em França: a partir de agora, só os maiores de 55 anos a receberão naquele país Guillaume Horcajuelo/Lusa

A vacina da AstraZeneca contra a covid-19 continua a ter uma relação risco-benefício positiva, “com um potencial tremendo para reduzir infecções e mortes em todo o mundo”, considera o Comité Consultivo Global sobre Segurança das Vacinas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que emitiu nesta sexta-feira o seu parecer. Os peritos da OMS concordam no entanto com os planos da Agência Europeia do Medicamento (EMA) de continuar a fazer estudos e monitorizar os efeitos adversos graves de formação de coágulos sanguíneos e hemorragias.

“Os dados disponíveis não sugerem que haja um aumento geral no número de problemas como trombose venosa profunda (formação de um coágulo sanguíneo numa veia profunda, geralmente nas pernas) ou embolia pulmonar (bloqueio da artéria pulmonar ou de um de seus ramos, quando um coágulo venoso se desloca do local onde se formou, por exemplo na perna, e viaja até ao pulmão”, escrevem os peritos da OMS.

Até quinta-feira, a EMA tinha analisado 469 relatos de fenómenos tromboembólicos na Europa e os mais graves eram sete relativos à formação de coágulos em múltiplos vasos sanguíneos (coagulação intravascular disseminada) e 18 de tromboses venosas no seio cavernoso cerebral. A maioria desses sete e dos 18 casos ocorreu com mulheres com menos de 55 anos, e nove destes episódios resultaram em mortes. “Não foi provada uma relação de causa-efeito com a vacina, mas é possível e merece ser mais analisado”, disse Sabine Straus, secretária do Comité de Farmacovigilância e Avaliação do Risco da EMA.

Apenas os eventos raros tromboembólicos associados a trombocitopenia [redução de plaquetas sanguíneas] necessitam de continuar a ser estudados pois não foi possível determinar a relação causal, merecendo assim análises futuras”, realça Sérgio Alves, presidente da AstraZeneca em Portugal, numa declaração que chegou ao PÚBLICO.

Estes casos graves são atípicos, mas apesar de tudo é baixa a taxa de episódios tromboembólicos registados após a administração da vacina da AstraZeneca, sublinham os peritos da OMS, e não foi determinada a existência de uma relação causal com a vacinação. “Embora na Europa tenham sido relatados casos muito raros de formação de coágulos com combinação de trombocitopenia [o que é um sintoma aparentemente contraditório], que resultaram em tromboses venosas no seio cavernoso cerebral, não é certo que estes tenham sido causados pela vacinação”, destacam os especialistas da OMS.

Por isso, o Comité Consultivo Global sobre Segurança das Vacinas recomenda a continuação do uso da vacina da AstraZeneca – que é a base da iniciativa COVAX, que faz chegar um mínimo de vacinas aos países mais pobres –, embora recomende também que deve ser “dada educação aos profissionais de saúde e às pessoas que estão a ser vacinadas para reconhecer os sinais e sintomas de todos os efeitos adversos graves após a vacinação”.

Actualização da EMA

A EMA actualizou nesta sexta-feira o documento sobre as características da vacina da AstraZeneca, tanta para os profissionais de saúde como para os consumidores, com informação básica sobre os eventuais sinais de problemas de coagulação e diminuição de plaquetas a que se deve estar após a vacinação. É frisado que mulheres com menos de 55 anos foram menos afectadas por estes casos raros, alguns dos quais resultaram em morte.

“Procure ajuda médica imediata que se tiver falta de ar, dor no peito, inchaço nas pernas ou dor persistente no abdómen após a vacinação. Procure também ajuda médica se alguns dias após a vacinação tiver dores de cabeça persistentes ou visão turva, ou tiver nódoas negras, ou manchas redondas localizadas para além do local da vacinação”, pode ler-se.

Apesar destas garantias dadas pela EMA e pela OMS, nem todos os países europeus que suspenderam a vacinação com a OMS a retomaram imediatamente. A Finlândia até a suspendeu nesta sexta-feira, porque foram detectados dois possíveis casos de formação de coágulos sanguíneos, anunciou o Instituto Finlandês de Saúde e Segurança Social, citado pela Reuters.

Em França só para maiores de 55

França, onde houve três casos de tromboembolismos, retomou a campanha de imunização com a vacina da AstraZeneca nesta sexta-feira, mas agora só para pessoas com mais de 55 anos – quando anteriormente chegou a estar interdita para pessoas com idade superior a essa. A Alta Autoridade de Saúde considerou que os dados da EMA apontavam para que o risco era maior para pessoas mais jovens, mas vai fazer uma avaliação das suas recomendações nos próximos dias.

Os países nórdicos em geral mantêm a suspensão da vacina da AstraZeneca. Um estudo feito no Hospital Universitário de Oslo, na Noruega, pela equipa de Pal Andre Holme, c​onseguiu estabelecer uma relação entre a formação de coágulos sanguíneos e a vacina da AstraZeneca em três pessoas que foram lá tratadas uma delas morreu por ter provocado uma reacção imunitária exagerada, diz o Le Monde. “Estes pacientes desenvolveram uma forte resposta imunitária, o que levou à formação de anticorpos, que podem afectar as plaquetas e provocar um trombo [coágulo sanguíneo]”, disse Holme, citado pelo jornal francês.

Uma equipa alemã, da Universidade de Medicina de Greifswald, chegou a conclusões semelhantes, diz a Deutsche Welle (DW). Em algumas pessoas vacinadas, a resposta imunitária activa as plaquetas de uma forma que pode levar à trombose como se o organismo procurasse curar uma ferida, coagulando o sangue”, explicou Andreas Greinacher, citado pela DW.

Itália retomou a vacinação, mas leva em conta a possibilidade de alguém recusar ser inoculado com a vacina da AstraZeneca. “Nesse caso, a pessoa será colocada em lista de espera para outro tipo de vacina”, disse Franco Locatelli, director do Conselho Superior de Saúde italiano, citado pela Reuters. “Nenhuma vacina será deitada fora. Se alguém não se apresentar, teremos listas de espera de pessoas que esperam ser vacinadas e que o serão”, assegurou Giovanni Rezza, outro membro desta entidade.

Em Portugal, quem recusar tomar a vacina da AstraZeneca contra a covid-19 perderá a vez e terá que ficar à espera. E, mesmo na última fase da operação, será imunizado com a que estiver disponível, disse o coordenador da task force (grupo de trabalho) para o plano nacional de vacinação, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo.

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