Madeira: DGS contabilizou numa só semana todos os casos de covid-19 que não registou em Janeiro

Valores colocaram a Madeira “no vermelho” do Centro Europeu de Controlo de Doenças e motivam incompreensão e protestos do Funchal.

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LUSA/HOMEM DE GOUVEIA

Em Janeiro, o pior mês da pandemia na Madeira, em que, a média diária de novos casos de covid-19 foi superior a 100, as autoridades de saúde regionais reportaram, no boletim informativo diário, um total de 3418 novas infecções pelo SARS-CoV-2. Nesse mesmo período, a Direçcão-Geral de Saúde (DGS) apenas contabilizou 2457. Uma diferença de quase mil casos, 961, que na semana passada foi inserida no sistema, fazendo com que o índice de transmissão (Rt) do coronavírus disparasse no arquipélago, para valores acima de 1,0.

Este valor colocou a Madeira no vermelho” no relatório semanal do Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), entre as zonas com maior incidência de infecções de coronavírus por 100 mil habitantes. Tornou-se mesmo, pelos números da ECDC, que baseia a análise nos dados divulgados pela DGS relativos às últimas duas semanas, a pior zona do país, com 617 casos por 100 mil residentes, contra os 155 da Área Metropolitana de Lisboa e dos 37 dos Açores, a região com menor incidência de novos casos.

Mas no terreno, nas áreas de saúde dedicadas à covid, seja no sistema de triagem montado no Aeroporto Internacional Cristiano Ronaldo, ou no Hospital Dr. Nélio Mendonça, o principal da região autónoma, e onde estão centralizadas as respostas à pandemia, ninguém percebe, ou sente, os números que têm sido revelados. “É inconcebível que passado um ano de pandemia ainda persistam estes erros”, diz ao PÚBLICO o presidente da Ordem dos Enfermeiros da Madeira, Nuno Neves, lamentando não só a imagem que passa do país, como a “desconfiança” que gera nas pessoas.

“O que nós sentimos, nós que trabalhamos diariamente na área, está em consonância com os números que estão a ser revelados pelas autoridades madeirenses”, continua o enfermeiro, dizendo que o confinamento e os constrangimentos nas viagens, com a diminuição do fluxo de turistas, têm contribuído para uma descida gradual nos casos de covid, que, segundo o relatório da Direcção Regional de Saúde (DRS) da Madeira desta sexta-feira, está nos 708 casos activos.

No Dr. Nélio Mendonça, onde o executivo madeirense investiu nos últimos meses em novas alas dedicadas à covid, aumentando a capacidade para 280 camas, estavam esta sexta-feira apenas 40 pessoas hospitalizadas, seis nos cuidados intensivos. Mesmo no pico da crise, na última semana de Janeiro, os internamentos não chegaram nem a metade da capacidade da unidade de covid-19. “Ninguém consegue perceber os números da DGS, o que não é positivo para ninguém”, insiste Nuno Neves, considerando que nem os problemas técnicos anunciados, ou as diferenças de critério observadas – a Madeira contabiliza todos os positivos que façam teste na região, independentemente da residência, e a DGS divide-os pelas moradas fiscais – servem como justificação.

Pedro Ramos, o secretário regional de Saúde e Protecção Civil, ligou esta semana para Lisboa duas vezes. Primeiro para a ministra da Saúde, Marta Temido. Depois para o secretário de Estado adjunto e da Saúde, António Sales. “Aquilo que eu transmiti à senhora ministra e ao senhor secretário de Estado adjunto é que não se pode calcular o Rt para a Madeira com base em notificações passados dois ou três meses”, disse aos jornalistas, considerando que a “discrepância de números” não prejudica apenas a Madeira. “Prejudica o próprio país, porque naturalmente que o Rt nacional engloba as regiões autónomas.”

Esta anomalia, materializada na semana passada com a DGS a contabilizar registados atrasados como sendo novos casos, obrigou as principais entidades que monitorizam a evolução da pandemia em Portugal a olharem de forma diferente para os números da Madeira. O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) não trouxe esta sexta-feira, no balanço semanal, o Rt da região autónoma, justificando-o com a “introdução de um elevado número de notificações em atraso na base de dados do Sinave”, o que invalida uma “interpretação correcta dos resultados”. O cálculo, diz o INSA, será retomado logo que a “situação estiver ultrapassada”.

Também o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), conforme explicou quinta-feira ao PÚBLICO o investigador Milton Severo, prefere aguardar que os valores estabilizem, para voltar a considerar os números da DGS em relação à Madeira.

“Não são notificações reais, são notificações de uma plataforma que não funciona a 100 por cento e da qual a Madeira também não é responsável”, sublinha Pedro Ramos.

Os relatórios diários das duas autoridades, a DGS e a DRS, raramente coincidem. Na quinta-feira, a DGS contabilizou 18 novos casos no arquipélago. No Funchal, contaram 38. Esta sexta-feira, a mesma coisa. A DGS registou 69 novas infecções, e a DRS 48.

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