Activistas fazem inventário dos maiores emissores em Portugal — e começam a pensar como cortar

Os activistas do Climáximo e da Greve Climática Estudantil analisaram as emissões de gases com efeito estufa de 249 infra-estruturas em Portugal. Numa lista negra com velhos nomes conhecidos, “os principais emissores estão associados aos setores da electricidade, refinação, papel e cimento”.

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Paulo Pimenta

A refinaria de Sines da Galp, a Central de Tapada de Outeiro, no Porto, e o Complexo Industrial da Navigator, em Setúbal, lideram a lista negra de infra-estruturas com mais emissões de gases com efeito estufa em Portugal, segundo o inventário da Climáximo e da Greve Climática Estudantil.

Na lista de velhos conhecidos, em que o sector da energia estará sobrerrepresentado após o encerramento da refinaria de Matosinhos e das centrais a carvão, os colectivos activistas apontam para um sector dos transportes “planeado para manter a casa a arder” e chamam a atenção para a forte representação das cimenteiras e do papel. “Esta indústria tem um nome: Navigator”, nomeia Antónia Seara, do grupo de activistas movidos pela urgência do combate às alterações climáticas. 

Segundo a análise a 249 infra-estruturas em Portugal, com dados referentes às emissões em 2018, a indústria energética é responsável por 25,7% das emissões, enquanto a soma dos sectores da aviação doméstica, aviação militar, ferrovia e todo o transporte terrestre perfaz 24,4%. A indústria da agro-pecuária também tem infra-estruturas no top 20, nomeadamente o grande matadouro das Carnes Landeiro, em Braga, e a produção da Campoaves, em Coimbra.

A informação pública, “mas de difícil acesso”, foi compilada a partir de dados oficiais do Ministério do Ambiente e Acção Climática, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Registo Europeu de Comércio de Emissões da União Europeia, Registo Europeu da Emissões e Transferência de Poluentes, Autoridade Nacional da Aviação Civil, Programa Nacional de Investimentos para 2030, referentes às emissões em 2018. 

Os dois colectivos apresentaram o inventário, “um mapa que mostra onde estão os fogos”, esta sexta-feira, 12 de Março, três meses depois de assinarem o Acordo de Glasgow, que “nasce do falhanço das instituições internacionais” em cumprirem as metas necessárias para evitar que o aquecimento global ultrapasse os 1,5 graus Celsius, até 2100 — valor estabelecido no Acordo de Paris, em 2015, mas que os países estão longe de cumprir. 

“Estamos a aumentar o nível de dificuldade”, avisa Mariana Rodrigues. “Como mostra o relatório de preparações para a COP26, o compromisso actual dos países está neste momento a 1%, e não nos 50% [de cortes até 2030] que é necessário.” Se fosse usado o método adoptado pelos inventários nacionais do Acordo de Glasgow, que tem em conta não só a necessidade de cortes como a “responsabilidade histórica” dos países por emissões que produziram no passado, Portugal tem nove anos para cortar três quartos (74%) das emissões. 

A expansão do Aeroporto de Lisboa, e a construção de um novo aeroporto, a expansão de portos e/ou dragagens, o gasoduto de Celorico da Beira ou a prospecção e exploração de lítio e outros minerais são alguns dos novos projectos que “não podem ser desenvolvidos” se o objectivo é diminuir os impactos da crise climática, aponta o relatório. 

“O gás é só uma transição para a catástrofe. Não é possível resgatarmos a indústria fóssil neste momento, são necessárias as alternativas, como as tecnologias renováveis, e é necessário resgatarmos as pessoas e não esta indústria”, repete Mariana Rodrigues, do Climáximo, que esta semana lançou vários activistas vestidos de corvos, por Lisboa, para convocar cidadãos para uma “acção de desobediência civil em massa na Primavera”.

Com o novo acordo, mais de 100 organizações espalhadas por todo o mundo comprometeram-se a “tomar nas suas próprias mãos a necessidade de cortar colectivamente as emissões de gases com efeito estufa e manter os combustíveis fósseis no solo”, com base em critérios históricos e de equidade. Como? Essa será “a próxima fase do plano de acção, uma agenda climática ainda em construção”, repetem os activistas, perante as perguntas dos jornalistas na conferência de imprensa. 

“Antes de agir é preciso entender o território. Não estamos a dizer que tudo tem de ser encerrado. O que queríamos agora era ter uma noção clara de onde estão as emissões e o que está a emitir e depois disso compreender, com os movimentos sociais e junto das comunidades, como é que podemos fazer os cortes necessários, tendo em atenção o contexto social e as pessoas”, diz Mariana Rodrigues.

A “não-cooperação política e económica” e “a desobediência civil não violenta e justificada, dirigida a governos, empresas públicas e privadas e infra-estruturas”, são as “principais ferramentas” descritas no texto do novo acordo que deixa de fora negociações com os governos e as Nações Unidas. O levantamento dos principais sectores, empresas, infra-estruturas e indústrias emissoras servirá de base para a construção da agenda pela justiça climática dos movimentos de cidadãos.

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