País desconfina, Marcelo confina (apoio ao Governo)

Marcelo tinha que viajar para o Vaticano, mas a viagem acabou por ser uma magnífica desculpa para não aparecer a falar ao país. O segundo mandato já desconfinou e não foi ao postigo – foi mesmo pela porta grande.

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Há escassas semanas, Marcelo era “o principal responsável” pela gestão do combate à covid, palavras suas. Evidentemente, não era, porque o poder executivo não é seu, mas o amor pela coabitação levava-o a dizer estas coisas. Passar de autoproclamado “primeiro responsável” a “último a saber” é uma aceleração histórica interessante e é provável que duas palavras mágicas – “segundo mandato” –, na sua simplicidade, expliquem a extraordinária mutação. Se já justificaram tanta coisa na vida de todos os anteriores Presidentes da República, era muito difícil que, 48 horas depois de ter tomado posse para a segunda vez, Marcelo escapasse à tentação.

António Costa anunciou, ao princípio da noite de quinta-feira, um desconfinamento gradual e muito prudente. A abertura das creches, infantários e primeiro ciclo eram uma urgência que os bons sinais da incidência da covid tornavam possível. A possibilidade de venda ao postigo no comércio não-essencial, a partir de segunda-feira, não vai resolver o problema do sector, mas é um princípio. Permite-se, finalmente, que as livrarias que apenas vendem livros abram as portas – as outras, as que também vendiam cadernos ou Euromilhões, já estavam abertas há muito. E, sim, cabeleireiros, manicures e barbearias têm, enfim, luz verde para regressar ao trabalho. O plano do Governo, que pode fazer marcha atrás a qualquer momento, se a situação epidemiológica se agravar, é absolutamente cauteloso.

Ficamos sem perceber se o outrora “máximo responsável” se revê no plano. Se foi por sua influência que o comércio não-essencial fica reduzido à venda ao postigo ou a abertura da restauração foi atrasada. Ou se, na verdade, o Presidente queria confinamento total até à Páscoa, como já tinha dado a entender.

O que as últimas 24 horas deixaram claro foi que nada será como dantes. A notícia do Expresso segundo a qual primeiro-ministro e Presidente jantaram em Belém e o Presidente acabou a refeição preocupado com as decisões do Governo elucida bem como Marcelo já confinou o seu apoio (que, às vezes, dava a ilusão de ser quase incondicional) a Costa. Se se acrescentar a declaração que também deu ao Expresso – “Não posso comentar decisões sobre desconfinamento que ainda não conheço” – percebe-se bem o peso do afastamento. É verdade que Marcelo tinha que viajar para o Vaticano, mas a viagem acabou por ser uma magnífica desculpa para não aparecer a falar ao país, como sempre aconteceu no resto do ano, no tempo em que era “o principal responsável”. O segundo mandato já desconfinou e não foi ao postigo – foi mesmo pela porta grande.

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