Competências motoras das crianças pioraram com o confinamento, revela estudo

O trabalho da Faculdade de Motricidade Humana avaliou antes do confinamento 182 crianças e, depois do confinamento, voltou a avaliar 114 delas de uma escola pública do distrito de Lisboa.

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PÚBLICO/Arquivo

O confinamento prejudicou as competências motoras das crianças, segundo um estudo de investigadores da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), da Universidade de Lisboa que defendem que este efeito deve ser compensado com mais aulas práticas de Educação Física no regresso à escola.

Rita Cordovil, coordenadora deste estudo que avaliou crianças entre os seis e os nove anos, refere que os investigadores concluíram que, após o primeiro confinamento (no ano passado), “mesmo as crianças que estavam em percentuais mais altos e, portanto, não estavam tão mal a nível de competência motora, a seguir ao confinamento estavam bastante abaixo do esperado para a idade”.

“Já desconfiávamos, mas ficou confirmado”, acrescentou a investigadora da FMH, sublinhando que a capacidade motora destas crianças foi medida antes e depois do confinamento com instrumentos que permitem conclusões factuais e sem subjectividade. “Não sabíamos que vinha aí a covid e tínhamos estado a medir para outro estudo a competência motora deles e (...), quando as aulas reabriram, tivemos a sorte de conseguir voltar às escolas (...) e aplicar novamente os testes de competência motora”, explica.

Rita Cordovil acrescenta que a bateria de testes aplicada avalia a competência motora em três grandes grupos de movimentos: estabilizadores ou posturais, movimentos mais locomotores e movimentos mais manipuladores e de interacção com objectos. “O que fazemos são testes como, por exemplo, saltar rapidamente de um lado para o outro sobre uma madeira e ver quantos saltos eles conseguem fazer num determinado tempo, ou ver quão longe conseguem chegar no salto em comprimento ou até lançar bolas o mais longe possível, ou chutá-las”, descreve.

Tudo isto é mensurável de forma quantitativa — a velocidade a que bola é chutada, por exemplo, é medida com um radar — e “depende pouco da subjectividade do avaliador”, continua a responsável, referindo, em contraponto, os questionários que muitas vezes acarretam alguma subjectividade na avaliação.

O trabalho avaliou inicialmente (antes do confinamento) 182 crianças e, depois do confinamento, voltou a avaliar 114 delas (50 rapazes e 64 raparigas) de uma escola pública do distrito de Lisboa. Conclui que, independentemente do sexo, o desempenho motor após o confinamento em cinco dos seis exercícios (excepto no caso do salto lateral nos rapazes) foi menor do que antes do confinamento.

“O que me preocupa mais é que esta é uma fase muito importante e muitas escolas, com as restrições pandémicas e mesmo no pós-confinamento, o que fizeram foi transformar uma das horas de Educação Física semanais em hora de aula teórica”, alerta Rita Cordovil, insistindo que, apesar de fazer sentido ter aulas teóricas, era importante diminuir esta carga, aumentando a das aulas práticas.

A investigadora considera essencial que as escolas encontrem formas de compensar esta falta de exercício no confinamento, sublinhando que o único estímulo que muitas destas crianças têm é nas aulas de Educação Física. “O ideal é, nos miúdos mais novos, aproveitar o espaço exterior e trazer as crianças para a rua o máximo de tempo que for possível. E aí até a questão do covid está do nosso lado, porque estar na rua é mais seguro do que estar em ambientes fechados”, defende, sublinhando: “É aproveitar os espaços exteriores que as escolas têm e tentar não lhes limitar as actividades físicas.”

Claro que “há sempre excepções à regra, mas a maior parte das crianças esteve muito tempo em frente aos ecrãs, muito tempo paradas e com poucas saídas à rua”.

Além da compensação com aulas práticas de Educação Física, Rita Cordovil defende também que os parques infantis deveriam abrir: “Não me parece que haja evidência científica que apoie que eles devam continuar fechados e que sejam grandes focos de transmissão. São dos poucos espaços onde muitas das crianças nas cidades brincam hoje em dia e onde têm alguma estimulação motora.”

Opinião idêntica tem André Pombo, um dos investigadores que participaram neste estudo, que defende a necessidade de uma política mais assertiva no que toca à actividade física. “Assim que abrirem as escolas tem de haver políticas de mudança, de aposta na actividade física, porque se isso não existir poderemos vir a ter um futuro muito comprometido, até em termos de saúde pública”, defende. “Estamos a falar não só de doenças associadas ao sedentarismo e à obesidade, mas também dos gastos do Serviço Nacional de Saúde com essas mesmas doenças”, aponta.

André Pombo lembra ainda que a competência motora das crianças, analisada neste estudo, “está muito associada à actividade física ao longo da vida” e que “crianças com maiores níveis de competência motora, por norma, vão ser adultos mais activos”.

“Todos nós conhecemos os malefícios do sedentarismo e da falta de actividade física e das doenças associadas. Se já havia uma tendência para termos crianças com menos competência motora, neste momento temos uma aceleração de todo o processo porque tivemos as crianças em casa não sei quantos meses”, conclui.

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