Conselho da Europa diz que há cada vez mais naufrágios ignorados no Mediterrâneo

No mar, os Estados nem salvam nem deixam trabalhar as ONG de resgate, diz o Conselho da Europa num novo relatório. Em terra, as regras decididas com a pandemia só pioraram as condições para quem chega.

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O navio de voluntários alemães Sea Watch 4 esteve seis meses sem poder abandonar Itália IGNAZIO MARCHESE/EPA

Os dados actuais sobre os naufrágios de requerentes de asilo a tentar alcançar as costas europeias são os mais subestimados dos últimos anos. Sem a presença de barcos dos próprios países e com crescentes entraves ao trabalho das organizações não-governamentais, os 2600 mortos de Junho de 2019 a Dezembro “devem sub-representar o número real de mortes, que acontecem com cada vez mais probabilidade fora dos radares”, lê-se no relatório Um apelo angustiante pelos direitos humanos. O fosso cada vez maior na protecção dos migrantes no Mediterrâneo, divulgado esta terça-feira pelo Conselho da Europa.

“Há anos que os países da Europa avançam numa corrida até ao fundo do poço, para manter fora das nossas fronteiras as pessoas que precisam da nossa protecção, com consequências desastrosas”, escreve na introdução Dunja Mijatovic, comissária dos Direitos Humanos da organização internacional.

A resposta oficial aos refugiados e migrantes, fruto da “falta de vontade dos Estados europeus” em criar políticas de protecção, só contribuiu para “um maior sofrimento humano” e “é um dos exemplos mais evidentes de como as más práticas migratórias minam a legislação em matéria de direitos humanos e custaram a vida a milhares de seres humanos”, denuncia Mijatovic.

Com a vasta maioria dos naufrágios a acontecer na rota do Mediterrâneo Central, o risco relativo de afogamento “permanece alto e tem aumentado, lenta mas regularmente, passada a primeira vaga da pandemia de covid-19”, nota o texto. Grande parte do relatório centra-se no mar, mas não esquece o que acontece aos requerentes de asilo quando conseguem alcançar os países europeus, uma situação que a pandemia agravou.

A prática de transferir os recém-chegados de um barco para outro e de os manter assim por períodos que “muitas vezes excederam o que seria necessário por motivos de quarentena” alargou-se, nomeadamente em Malta – durante vários meses do ano passado, o país manteve requerentes de asilo “fora das suas águas territoriais em barcos privados que não estavam equipados para abrigar pessoas”. Em Itália, por outro lado, havia a 27 de Novembro 1195 refugiados e migrantes em navios.

Num e noutro caso, nota o Conselho da Europa, faltou “acesso a cuidados de saúde adequados”, assim como “a assistência legal”, deixando a organização preocupada “com a possibilidade de isto estar a ser usado para impedir as pessoas de avançar com os pedidos de asilo”.

O documento faz um balanço da concretização das recomendações publicadas pelo Conselho em 2019 e concluiu que “a situação dos direitos humanos na região permanece deplorável” e “deteriorou-se mesmo”. Por trás dessa evolução está a “retirada progressiva dos navios fretados pelos Estados”, os mesmos países que “limitam o trabalho vital das ONG, mesmo quando estas colmatam as lacunas deixadas pelo seu próprio desinvestimento”. Na prática, “as actividades de busca e resgate das ONG continuaram a ser obstruídas por procedimentos administrativos ou criminais, ou simplesmente pela proibição de desembarque”, lê-se no relatório.

Em paralelo, no último ano e meio aumentaram as denúncias de situações em que “as autoridades costeiras nacionais só respondem muito lentamente a pedidos de ajuda ou se limitam a dar instruções a navios comerciais nas proximidades de que há barcos em perigo”. Crescentes são também as alegações, “especialmente relativas a Malta”, de falta de resposta “a refugiados e migrantes em perigo ou a ONG que dão o alarme”.

Para o Conselho da Europa, estes comportamentos visam “aumentar a possibilidade” de que as pessoas no mar sejam interceptadas pela guarda-costeira líbia e mantidas neste país, apesar das “graves de violações de direitos humanos” que ali enfrentam.

Lembrando que os países membros da organização são todos signatários da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Dunja Mijatovic apela a que tomem medidas para preservar a vida dos que tentam atravessar o Mediterrâneo: “Trata-se de uma questão de vida ou de morte – e da credibilidade do compromisso dos países europeus na defesa dos direitos humanos.”

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