Tribunal anula pagamento de 240 milhões da Câmara de Lisboa à Bragaparques

Caso está relacionado com a permuta de terrenos do Parque Mayer e da antiga Feira Popular e já não é passível de recurso. Em véspera de eleições, desaparece uma sombra sobre as contas municipais.

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daniel rocha

Foi um Fernando Medina inchado de confiança o que se apresentou perante os jornalistas nos Paços do Concelho para comentar a notícia do dia: a Câmara de Lisboa não vai ter de pagar cerca de 240 milhões de euros à Bragaparques por causa dos terrenos da antiga Feira Popular e do Parque Mayer. O Tribunal Central Administrativo Sul anulou uma decisão arbitral de 2016 e o veredicto não é passível de recurso.

Esta decisão retira um enorme peso das contas municipais em vésperas de eleições. E Medina, com um jackpot no bolso, não se fez rogado, criticando aqueles que “arrastaram o município para uma situação perfeitamente degradada” e apontando directamente o dedo à “decisão imponderada do último executivo do PSD na câmara”.

O caso Bragaparques diz respeito a um negócio de permuta de terrenos entre a câmara e a empresa de parques de estacionamento que se iniciou durante o mandato de Carmona Rodrigues. Em 2005, para ficar com o Parque Mayer, que era propriedade da Bragaparques, a autarquia cedeu parte dos terrenos da antiga Feira Popular à companhia de Domingos Névoa, que depois viria a comprar os restantes lotes.

José Sá Fernandes, à data vereador do BE e hoje eleito pelo PS, levantou dúvidas sobre o negócio, que viria a precipitar a queda do executivo de Carmona e a entrada em cena de António Costa, em 2007. Tanto o ex-presidente social-democrata como os vereadores Eduarda Napoleão e Fontão de Carvalho foram acusados pelo Ministério Público de prevaricação, mas foram absolvidos em todas as instâncias.

Em 2014, António Costa fez um acordo com a Bragaparques segundo o qual a autarquia pagava 101,6 milhões de euros para reaver os terrenos da Feira Popular e manter a propriedade do Parque Mayer. Porém, algumas questões, como juros e danos por a empresa não poder concretizar o seu projecto imobiliário, foram remetidas para um tribunal arbitral, que em 2016 condenou a câmara ao pagamento de 138 milhões de euros. O valor foi considerado excessivo pelo executivo de Medina e irrisório por Domingos Névoa, que exigia 345 milhões de euros.

O que o Tribunal Central Administrativo Sul veio agora dizer é que a câmara não tem de pagar nem os 138 milhões a que foi condenada nem os 101,6 milhões que aceitou pagar, vendo-se de repente com uma disponibilidade financeira com que não contava. Nos últimos anos, o executivo de Fernando Medina tinha posto de parte cerca de 200 milhões de euros para fazer face a uma eventual decisão judicial desfavorável. Com o surgimento da pandemia, esse pé-de-meia começou a ser usado e a autarquia reconheceu que seria preciso vender património ou contrair empréstimos caso a Bragaparques ganhasse a disputa.

Medina passa ao ataque

Com a carteira mais folgada e já em pleno período pré-eleitoral, o presidente da câmara fez o elogio da sua governação e da de António Costa, diabolizando PSD e CDS. “Era bom ter presente que as más decisões arrastaram a câmara para uma crise sem precedentes, ao ponto de sermos a única câmara do país a ter uma comissão administrativa depois do 25 de Abril”, disse Medina. Sem poupar na adjectivação, o autarca apontou “erros de gestão clamorosos” ao executivo de Carmona, apelidando-o de “governação de má memória para a cidade”.

“Na última década, o passivo diminuiu de cerca de 2000 milhões de euros para 650 milhões”, elogiou-se, referindo que actualmente a câmara está “forte, robusta”. Acto contínuo, Medina anunciou que a decisão judicial agora conhecida vai permitir “reforçar os apoios à economia da cidade”, uma vez que a câmara já não precisa de pôr dinheiro de parte para esta contingência. Decorre actualmente a segunda fase do programa Lisboa Protege, que se destina a apoiar empresas, empresários e artistas a fundo perdido. O autarca não quis especificar qual será o reforço.

Quanto ao caso propriamente dito, este ainda não foi o capítulo final. Agora terá de ser constituído novo tribunal arbitral para que autarquia e Bragaparques se entendam quanto ao valor a pagar à empresa de Domingos Névoa, que com este processo ficou sem Parque Mayer, sem Feira Popular e, agora, sem o dinheiro. “Isto reconduz o debate ao sítio onde a câmara sempre disse que ele devia estar: ao valor do Parque Mayer”, afirmou Medina.

No final da conferência de imprensa em que declarou que este foi “um dia de vitória”, o autarca deixou o sorriso fugir-lhe da cara quando José Sá Fernandes, ao seu lado, pediu e teve a última palavra. “Vale a pena lutar intransigentemente pelo interesse público”, disse eufórico. E selou o momento com uma pancada de punho.

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