Portugal é quinto país da UE com maior impacto da pandemia no mercado de trabalho. Mulheres mais penalizadas

A pandemia de covid-19 está a aumentar a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, mostra novo estudo do Instituto Europeu da Igualdade de Género

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Rui Gaudencio

A crise pandémica está a alargar o fosso entre homens e mulheres. Um novo estudo do Instituto Europeu da Igualdade de Género (EIGE) destaca diferenças na perda de emprego, no número de horas trabalhadas, no teletrabalho. No espaço comunitário, Portugal regista o quinto maior impacto da pandemia no mercado de trabalho, afectando de forma desproporcional as mulheres.

 “É um grande desafio produzir conhecimento científico sobre uma crise que ainda está a acontecer”, começou por explicar Lina Salanauskaite, uma das autoras do estudo solicitado pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia ao EIGE. Para já, há dados comparativos do segundo e do terceiro trimestres de 2020, o que, sendo passado, pode “dizer algo sobre o futuro”.

Para perceber melhor a realidade, criou-se um novo indicador: o impacto no mercado de trabalho, que calcula a variação da percentagem de empregados no segundo trimestre de 2020 face ao mesmo período de 2019 deduzindo a taxa de crescimento anual média do emprego registada entre 2014 e 2019.

A média do impacto na União Europeia (UE) é 3,6% para homens e para mulheres. Como lembra Salanauskaite, os Estados-Membros têm realidades socioeconómicas díspares e, por isso, enfrentam consequências distintas. O impacto é maior em Espanha, Bélgica, Irlanda, Itália, Portugal, Hungria, Grécia. Portugal, por exemplo, regista um impacto de 5,6% no emprego das mulheres e 5,3% no emprego dos homens.

Maior dificuldade em recuperar emprego

Vamos por partes. Na primeira vaga de covid-19, em termos absolutos, as mulheres perderam menos empregos do que os homens (2,2 milhões, face a 2,6 milhões). Em termos relativos, como a sua participação no mercado de trabalho já é menor, perderam o mesmo (2,4% quer para os homens, quer para as mulheres).

A perda não se esgota nos números do desemprego registado. Muitas pessoas viram a sua jornada de trabalho reduzida. “A jornada diminuiu mais para as mulheres”, diz. Na UE, a queda é de 16,6 horas para as mulheres e 14,4 para os homens. E, uma vez mais, a realidade não é homogénea. No topo estão Espanha, Portugal, Malta, Chipre, Irlanda, Itália. Portugal regista uma descida de 29,5 para as mulheres e 18,8 para os homens.

 “Também temos de ver o que esta crise significa em termos de possibilidade de manutenção no mercado de trabalho”, sublinha Salanauskaite. “E aí o que nos preocupa mais também são as mulheres porque elas já têm mais dificuldade em entrar.” E já dá para ver que os efeitos da pandemia na sua vida laboral são mais duradouros.

As mulheres estão a ter mais dificuldade em regressar ao trabalho. Com o primeiro desconfinamento, houve alguma recuperação de emprego. No total, houve um aumento de emprego de 0,8% entre as mulheres e de 1,4% entre os homens.

Por todo o lado, há pessoas a passar de desempregadas para inactivas, o que quer dizer que já nem estão à procura de um posto de trabalho. “Então a retirar-se”, sintetiza. “Há muito mais mulheres a fazer isso do que homens em quase todos os países para os quais existem dados disponíveis.” Esta tabela é liderada por Itália, seguindo-se Portugal, Países Baixos e França.

Consultando as estatísticas da última década, depressa se percebe que a participação das mulheres no mercado de trabalho sempre foi menor. O que os primeiros dados mostram, sintetiza Salanauskaite, é que a covid-19 acaba por penalizar mais o emprego das mulheres, sobretudo a mais jovens, alargando a desigualdade de género.

Em maioria no teletrabalho

Comércio de retalho, alojamento, assistência ao domicílio, trabalho doméstico e confecção concentram 40% dos empregos perdidos por mulheres. Um reflexo da segregação por sexos do mercado do trabalho, que também determina quem está na linha da frente de combate à pandemia (um estudo anterior revela que o sexo feminino representa três quartos dos profissionais de saúde e outros três quartos dos profissionais de apoio social) e quem está em teletrabalho. Devido à sobrerepresentação em áreas como o ensino, há mais mulheres (45%) do que homens (30%) a trabalhar a partir de casa. 

“Antes da pandemia, falávamos sobre os impactos positivos que o teletrabalho teria na conciliação entre vida profissional, pessoal e familiar”, recorda aquela perita. Havia grande expectativa sobre as vantagens para quem tinha de cuidar de crianças, pessoas com deficiência, idosos. “Muitas pessoas lutavam pelo teletrabalho, mas nem todos os empregos são compatíveis e nem todos os empregadores o permitem”, recorda. “Agora, de repente, estamos numa situação em que todos são encorajados ou mesmo obrigados a mudar para o teletrabalho.”

Os impactos negativos aqui, diz Salanauskaite, também “são mais elevados para as mulheres”. O jogo está viciado à partida: são elas, na maior parte das vezes, as cuidadoras principais. “Tendo o pai e a mãe em casa, as crianças vão mais à mãe fazer perguntas ou pedir apoio. As mães também ajudam mais no ensino à distância.” Não lhe parece difícil perceber o que essa carga implica: mais cansaço, maior dificuldade em conciliar o trabalho com a vida pessoal e familiar, logo, menor produtividade. E, nalguns casos, picos de violência doméstica.

No fundo, a pandemia mostra o potencial de se ter uma força de trabalho digital. Só que o resultado, sem as estruturas de apoio a crianças, deficientes e idosos, é este: “mais  trabalho não remunerado para as mulheres, apesar de alguns pais participarem mais do que antes: mães com filhos pequenos a levar ao máximo o esforço de conciliação; divisão de tarefas relacionadas com as crianças mais equitativas nas famílias com pais presentes (em teletrabalho ou desempregados); ensino à distância a representar uma forma adicional de trabalho não remunerado.”

O estudo “Igualdade de género e consequências socioeconómicas da crise do Covid-19” foi preparado a pedido da Presidência Portuguesa do Conselho do União Europeia. Estes são apenas dados preliminares, que serão apresentados esta manhã em Lisboa. O relatório final será publicado em Junho.

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