Sim, Marcelo é o “primeiro responsável” pelo combate à pandemia

Poucas circunstâncias atribuirão uma responsabilidade tão grave e pesada a um chefe de Estado em regime semipresidencial como aquelas que temos vivido nos últimos 366 dias.

1. Nas últimas semanas, Teresa de Sousa tem escrito as mais lúcidas páginas sobre os grandes desafios da União Europeia e sobre a equação geopolítica portuguesa. Desde a perspectiva crítica quanto à saga das vacinas até à prevalência dos interesses geoeconómicos da Alemanha. Desde a incompreensão da hostilidade para com o Reino Unido até à aceleração do acordo de investimento com a China em plena retoma das relações transatlânticas. Para a Europa é fundamental não perder a visão atlântica, designadamente, a ligação aos Estados Unidos, às Américas em geral e ao Reino Unido. Para Portugal, a Europa só faz sentido e só tem préstimo se for uma Europa atlântica e global, que olha às Américas, à África, às Índias e também, pois claro, à China e ao Japão. Uma Europa confinada a uma visão continental não interessa nem a europeus nem a portugueses. Tem sido esta a doutrina expendida por Teresa de Sousa. Tem sido esse o seu “magistério”.

2. No artigo do último domingo, muito salutarmente, centrou-se mais na realidade política interna, que, de resto, nunca “isola” da envolvente europeia e global. Todo o enfoque foi posto na leitura do sistema de governo português e na distribuição de responsabilidades entre o Presidente da República e do Governo. O foco foi de tal modo preciso que o título, em formato de pergunta, não podia ser mais cristalino: “Marcelo é o ‘primeiro responsável’ pelo combate à pandemia? Não”. A tese arranca de uma afirmação do Presidente em que este, supostamente, abusaria da linguagem e da projecção do seu papel institucional. Avança depois para uma caracterização do sistema de governo como um “semipresidencialismo light”. O elenco seco de um conjunto de poderes de índole institucional – sem curar de explicar que eles pressupõem uma intervenção densa e funda nas condições políticas de cada momento – procura fazer a demonstração da asserção de que parte. E a seguir, claro está, faz o contraste com as tarefas confiadas ao Governo e com o primeiro-ministro, eles sim, afinal, os titulares (injustamente desbancados) das responsabilidades precípuas.

3. Não se compreende exactamente ao que vem esta revisitação da distribuição dos poderes e do poder do pólo executivo no sistema político português. Mas uma coisa se me afigura certa, como julgo ter deixado claro em múltiplos escritos neste e noutros jornais: não concordo de todo com a leitura que é feita do sistema de governo português nem com a pretensa (e popular) neutralização do Presidente da República. Mas ainda que tal se pense para tempos de normalidade constitucional, essa leitura mostra-se altamente questionável em tempos de excepção e de emergência. Vejamos, passo a passo, até que ponto faz sentido escalpelizar aquela afirmação do Presidente e tirar dela as ilações que parecem poder de inferir-se do artigo em causa.

4. Antes do mais, o Presidente poderia apenas estar a usar uma fórmula protocolar – de resto, com virtualidades exemplares e pedagógicas – e nisso não me parece que se possa ver algo de censurável. Já anteriormente, em mais do que uma entrevista, tinha afirmado que lhe cabia assumir, antes de todos os outros, a responsabilidade por tudo o que correra menos bem. Dito assim, foram muito poucos os que o criticaram; embora essa concreta formulação seja, na minha opinião, merecedora de crítica e reparo. Falando como mais alto magistrado da República, limitou-se a expressar algo de óbvio: é sempre o alfa e o ómega do sistema político sobre quem recai a garantia última do sistema e ele não enjeita nem desqualifica esse ónus.

5. O mais provável e lógico, no entanto, é que o Presidente não estivesse a refugiar-se numa declaração virtuosa, simplesmente redundante. Não. A presente pandemia provocou uma crise sanitária, económica e social sem paralelo. Em tempos de crise, nos sistemas semipresidenciais, avulta sempre o papel do Chefe de Estado. Avulta mais ainda, quando não existe uma maioria parlamentar estável, o que obriga o Presidente a ser construtor permanente de consensos. Basta imaginar o que teria sido a vida do Governo sem a intervenção do Presidente Marcelo para logo se dar conta de que a sua “responsabilidade” foi e é bem maior do que uma visão convencional e até legalista arroja suspeitar. O Presidente, tal como o ser humano, é ele mesmo e as suas circunstâncias. Ora, poucas circunstâncias atribuirão uma responsabilidade tão grave e pesada a um chefe de Estado em regime semipresidencial como aquelas que temos vivido nos últimos 366 dias.

6. Tudo isto seria suficiente para justificar aquele dito e talvez não “gastar” mais tempo com ele. Mas o cerne da questão está mesmo nas regras constitucionais. A pandemia, pela sua gravidade, exigiu que, pela primeira vez na vigência da Constituição, fosse decretado o estado de excepção. Não, por uns modestos quinzes dias, mas por sucessivas e renovadas declarações, sem fim à vista. A declaração do estado de emergência é da iniciativa e da competência do Presidente da República; o Governo – o tal que seria afinal e sempre o primeiro responsável – só tem de ser ouvido. Juntamente com o poder de dissolução – que tão coloridamente se apelida de “bomba atómica” –, este é o poder mais importante do Presidente. Com uma diferença: a dissolução parlamentar é um poder negativo, que se esgota no próprio acto. O estado de excepção é um poder activo e conformador, que perdura no tempo, e que, até pelos perigos que espoleta, convoca também a responsabilidade última de garante do regular funcionamento das instituições democráticas. Não, o presidente Marcelo não foi hiperbólico, nem usurpou ou extravasou as suas funções. Nem deixou um recado ou vários ao primeiro-ministro, que, aliás, pode muito bem deixar. Em grande parte, é para isso que ele existe: para deixar recados. Ele limitou-se a invocar e assumir um poder e uma responsabilidade em que a Constituição o investe. Neste exacto contexto, ele é mesmo o primeiro da cidade. E não tem por que o esconder.

SIM. PSD e Carlos Moedas. A escolha e a aceitação de Carlos Moedas criam enorme esperança em Lisboa. Inspirador e cosmopolita, tem todas as condições para agregar as forças dinâmicas da capital.

NÃO. Concurso no Ministério Público. O Conselho Superior do Ministério Público prossegue na senda do caso do procurador europeu. Definição tardia e pouco objectiva de critérios. Nada que sirva o Estado de Direito.

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